"É preciso melhorar as relações entre empresas e Estado" – IREE

Entrevistas

“É preciso melhorar as relações entre empresas e Estado”

Para o brasilianista William Summerhill, a eficiência do mercado terá que compensar a ineficiência do Estado. Professor de História e Estudos sobre a América Latina na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e autor de livros sobre o país, Summerhill veio ao Brasil para o lançamento de Trilhos do desenvolvimento: As ferrovias no crescimento da economia brasileira de 1854 – 1913 (Ed. Livros de Safra, 2018).

O livro mostra que os investimentos em ferrovias na segunda metade do século XIX foram o fator mais importante na transição do Brasil da relativa estagnação econômica para o crescimento no início do século seguinte. Nesta entrevista ao IREE, William Summerhill fala sobre o papel do Estado, o setor de transportes e diz o que se deve esperar do novo presidente da República.

O senhor tem estudado a economia brasileira e o papel do Estado no desenvolvimento do país. Na sua opinião, o Brasil é um país viável?

William Summerhill: Claro que é um país viável. É grande país, mas é um país em que há uma necessidade aguda de melhorar as relações entre a economia e o Estado para reduzir as distorções que atrapalham tanto a eficiência dos mercados.

Como o senhor vê o tamanho do Estado brasileiro e o peso do setor público para a economia?

Summerhill: O Estado brasileiro cresceu desde os finais do seculo 19. Acelerou sob o Estado Novo de Getúlio Vargas. A tendência persistiu durante a época do governo militar.  E agora ele está relativamente grande para uma democracia em desenvolvimento. Então, ter esse Estado grande é um legado do passado.

Mas, desde 1988, o tamanho do Estado brasileiro é também uma escolha “social”, como em qualquer outra democracia.  É o resultado de inúmeras decisões não-coordenadas entre grupos de interesse operando sob instituições claramente democráticas. Mas não é um Estado principalmente de bem-estar social, como uma Suécia, por exemplo. O Estado Brasileiro tributa pesadamente por regras fiscais meio absurdas, transfere muitos recursos e subsidia muito (as “meias entradas”).

Muito desse tributa-e-gasta (tax-and-spend) tem uma lógica puramente política e foge das normas de qualquer eficiência econômica ou de finanças públicas. As transferências de recursos para subsidiar estatais, empresas particulares grandes e grupos privilegiados são um mecanismo que gera perda de eficiência por distorcer incentivos, criando uma má alocação de recursos e um PIB menor que deveria.

Quanto maior na economia o papel de um Estado grande e ineficiente, mais eficiente terá que ser o mercado (setor privado), para que a economia em todo não atrase. Com Estado ineficiente e grande demais, a economia fica numa corrida impossível de vencer.

Com a economia ainda estagnada, que políticas o próximo presidente da República deveria implementar para que o país retome o crescimento?

Summerhill: Uma eleição só não resolve a economia estagnada. Aumentar o PIB per capita, retomar o crescimento, exige mecanicamente maior investimento econômico e maior produtividade. Mas a economia do Brasil está com quatro décadas de muito pouco avanço de produtividade. O próximo presidente deveria enfatizar políticas que seguram o balanço fiscal e estabilidade macroeconômica, porque isso importa muito para atrair maiores capitais — e mais baratos — para o país.

Faz parte também a reforma da previdência, porque o custo futuro de fazer nada é desastre fiscal previsível. O novo governo deve fazer as reformas  de “segunda geração”, que deviam ter sido implementados após a conquista da estabilidade, na segunda metade da década de 90, mas que deixaram de ser feitas. Reformas como a do sistema tributário, a retirada de entraves burocráticos para a formação de empresas novas, sempre notadas pelo Banco Mundial como graves.

Deve também fazer uma abertura de verdade ao comércio exterior – há muita proteção ainda, o que atrapalha a produtividade – e esclareça e garanta direitos de propriedade. Em tudo que se pode, que siga políticas pró-concorrência, pró-inovação e pró-mercado, para que o crescimento seja sustentável a longo prazo e não simplesmente mais um “voo de galinha.” Intervenção no mercado só quando for falha de mercado de verdade, e em tais casos regule a atividade a base de evidências empíricas sólidas.

Deve aliviar a pobreza aguda com programas como o Bolsa Família. E investir em educação primária e secundária de qualidade, porque é um fator muito importante para aumentar a produtividade no futuro e, ao mesmo tempo, reduzir a desigualdade de renda e pobreza futura.  É o melhor investimento que o Brasil pode fazer.

A operação Lava Jato expôs relações espúrias entre o Estado e setores privados. O que o Brasil precisa reformar nas relações entre o Estado e as empresas?

Summerhill: Acabe logo com as estatais. A lógica econômica de tê-las acabou. Para a maioria jamais existiu esta lógica, na verdade. Privatizem, regulem se for necessário. Políticos não conseguem resistir a usá-las para propósitos políticos, e não-econômicos. É um problema global.  E além dos embaraços econômicos e fiscais com os quais elas contribuem, as estatais são instrumentos quase perfeitos para formar cartéis de fornecedores e, por consequência, facilitar a corrupção pública, como aconteceu no Brasil.

Na greve dos caminhoneiros, o país voltou a questionar o foco excessivo no modal rodoviário como solução logística. O país precisa dar um passo atrás e rever essa estratégia? Nesse caso, o que deveria ser feito?

Summerhill: Rodovia e ferrovia são substitutos e complementos ao mesmo tempo.  Não é uma escolha estreitamente entre um ou o outro. É preciso rever sim, mas para o Brasil adotar uma combinação flexível. As pesquisas na área de economia de transporte revelam que para algumas distâncias e muitos produtos, a ferrovia é melhor, custa menos. Para outros produtos e distâncias, os caminhões são mais baratos. Quando viajei de trem na Europa, eu vi  os caminhões nas rodovias próximas.  Quando viajo de carro no EUA, vejo trens enormes de carga. Multimodal é normal e necessário. Eu acho que o Brasil precisa de mais trens. É imprescindível tanto para o transporte de carga de longa distância quanto para transporte de passageiros.



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