Como palmeirense, sei desde de minha infância que o verde é a cor que simboliza a esperança. Como economista, estou convencido que a mesma máxima se aplica ao debate de desenvolvimento econômico, onde o tema ambiental assumiu um papel central como possível frente de expansão e motor da transformação da estrutura econômica, produtiva e social.
Até o final do século XX, o tema ambiental era tratado ou como obstáculo, ou como custo. Não que não houvesse preocupações com a degradação ambiental causada pelo avanço indústria capitalista mundo afora, mas esse tema era tratado como algo lateral, uma externalidade negativa (para gastar o economês) a ser resolvida através de regulações e incentivos.
A ideia de que os investimentos ambientais podem ser uma mola propulsora do desenvolvimento econômico passou a ganhar corpo no século XXI, seja como resposta a aceleração da crise climática, seja como possível solução para o baixo crescimento e elevado desemprego/subemprego característico do capitalismo pós-crise de 2008.
Recentemente, esse debate foi reforçado por uma série de mudanças e avanços no campo do desenvolvimento econômico. Em primeiro lugar, a crise de 2008 provocou um enorme abalo na teoria econômica “tradicional”, com diversos economistas renomados reconhecendo a inadequação de seu instrumental teórico para dar conta da realidade do capitalismo crescentemente financeirizado.
Entre os temas que sofreram uma profunda releitura está o papel do Estado e da política fiscal, antes vista como “passiva” e mera âncora para a atuação da política monetária. Após a crise de 2008, a utilização de todos dos instrumentos (conhecidos e até então desconhecidos) de política monetária se mostrou pouco eficaz, abrindo espaço para a volta do debate sobre uma política fiscal ativa. Isso implicou na revisão da metodologia de cálculo dos multiplicadores fiscais, no abandono da equivocada visão sobre “limites para dívida” e no debate sobre os efeitos da política fiscal no longo prazo, a partir do conceito de “histerese”.
A reabilitação da política fiscal como instrumento eficaz no curto e no longo prazo implicou na superação da visão “neoliberal” de Estado. O debate sobre desenvolvimento econômico recuperou temas até então proibidos, como planejamento Estatal e política industrial. Mas esse debate não se limitou a trazer de volta temas do passado: a própria noção de indústria, planejamento e modelos de desenvolvimento foi profundamente atualizada, visando integrar temas como a transição ecológica, a transição digital e seus impactos no mundo do trabalho.
Do ponto de vista dos modelos de desenvolvimento, ganhou força a ideia de políticas públicas orientadas por “missões”, como defendido por Mariana Mazzucato. Dentre as possíveis missões que deveriam ser perseguidas, o tema da transição ecológica aparece como uma das áreas prioritárias para a atuação Estatal. Diversas pesquisas se dedicaram a demonstrar o elevado efeito multiplicador na renda e no emprego advindos dos investimentos na área ambiental, seja do ponto de vista da preservação e recuperação de biomas, seja em investimentos na área de energia limpa e novas tecnologias verdes.
Esse novo paradigma não ficou restrito ao debate acadêmico. Particularmente após a pandemia de COVID-19, a ampla maioria dos planos de desenvolvimento apresentados nos países desenvolvidos incluía uma parcela significativa de investimentos voltados para a temática ambiental. O debate nos EUA sobre um Green New Deal, presente na campanha de Bernie Sanders e parcialmente incorporado no chamado “Plano Biden”, impactou na formulação pacote de investimentos anunciado pelos países europeus (o chamado “Next Generation EU”) e encontra amparo até no debate latino americano, a partir da ideia de “Big Push ambiental” presente em textos da CEPAL. A China, como não poderia deixar de ser, possui hoje o mais ousado e volumoso programa de desenvolvimento econômico voltado para o tema ambiental e para a transição energética, e deverá ser responsável por 40% da expansão na produção de energia eólica nos próximo 5 anos, além de liderar a produção de painéis solares.
O Brasil possui um enorme potencial no campo da transição ecológica devido a sua riquíssima biodiversidade, seu potencial de produção de energia renovável (potencializado por um sistema elétrico nacionalmente integrado) e também pelos desafios que possui para preservação e recuperação de biomas, que podem ser utilizados como oportunidades dentro de um novo estilo de desenvolvimento.
Em diversas regiões do país a questão social e ambiental estão profundamente interligadas, pois não há possibilidade de garantir a preservação caso não se encontre uma solução para a pobreza e as condições de cidadania das populações locais. Isso pode ser resolvido através de programas de emprego e transferência de renda que estejam voltados para a preservação de nossos biomas, assim como investimentos na chamada “bioeconomia”, na agricultura familiar e cooperativada e em pesquisas relacionadas a temática ambiental.
A adoção de um novo estilo de desenvolvimento será o tema mais importante no debate eleitoral de 2022. Há urgência de superar o ultraliberalismo patrimonialista atual e, ao mesmo tempo, elaborar um programa que promova a transformação das estruturas econômicas a partir de um modelo mais justo, solidário e sustentável. A transição verde certamente será um dos eixos centrais em qualquer proposta de desenvolvimento que mereça essa alcunha. Mais do que nunca, a esperança é verde.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Guilherme Mello
É economista e sociólogo, com mestrado em Economia Política pela PUC-SP e doutorado em Ciências Econômicas pela Unicamp. É professor do Instituto de Economia da UNICAMP e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura do IE/UNICAMP. Foi assessor econômico para a campanha de Fernando Haddad à Presidência da República em 2018.