Uma guerra indesejada: entenda o conflito entre EUA e Irã – IREE

Análises e Editorial

Uma guerra indesejada: entenda o conflito entre EUA e Irã

Os últimos dias de 2019 e os primeiros dias de 2020 têm sido marcados por uma sucessão de episódios de conflito entre os Estados Unidos e o Irã.

O acontecimento mais crítico, até o momento, foi a morte do general iraniano Qasem Soleimani por um ataque norte-americano ao aeroporto de Bagdá no dia 3 de janeiro.

A justificativa do governo norte-americano para o ataque é a de que Soleimani representaria uma ameaça iminente aos Estados Unidos. A legalidade da ação é questionada.

Soleimani era o principal comandante dos Quds, unidade especial da Guarda Revolucionária do Irã, classificada pelos Estados Unidos como uma organização terrorista. Sua morte gerou forte comoção no Irã e temores sobre as consequências de uma retaliação.

A resposta do Irã veio no dia 8 de janeiro, com o bombardeio de duas bases usadas por tropas dos Estados Unidos no Iraque. Os mísseis iranianos percorreram mais de 500 km, uma munição de relativa alta tecnologia.

Apesar de ter sido contra as duas maiores instalações usadas por norte-americanos no Iraque, o ataque não teve vítimas, e a primeira mensagem do ministro das Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, indicava um acalmar de ânimos:

“O Irã adotou e concluiu medidas proporcionais em autodefesa de acordo com o Artigo 51 da Carta da ONU atingindo a base da qual covardemente um ataque armado contra nossos cidadãos e altos funcionários foi lançado. Não buscamos escalada ou guerra, mas nos defenderemos contra qualquer agressão”.

Em pronunciamento após a retaliação do Irã, o presidente do Estados Unidos, Donald Trump, também deu sinais de arrefecimento do conflito, apesar de prometer sanções econômicas ao país.

Trump afirmou estar disposto a “abraçar a paz para aqueles que a buscarem”, além de considerar que o Irã está “baixando o tom”.

A cada dia surgem, no entanto, novos desdobramentos que podem alterar os rumos da relação entre os dois países.

O chefe da Força Aeroespacial da Guarda Revolucionária do Irã afirmou, em 9 de janeiro, que o bombardeio contra as bases no Iraque seria o início de uma série de ataques contra os Estados Unidos, e que o objetivo seria expulsar as forças norte-americanas na região.

Uma guerra indesejada

Uma guerra entre Estados Unidos e Irã parece não interessar a ninguém por conta de seu potencial de danos materiais e econômicos.

José Antonio Lima, pesquisador da USP e especialista em Oriente Médio, explica que um confronto com o Irã não é trivial para os Estados Unidos.

“O Irã tem Forças Armadas sofisticadas, um sistema de lançamento de mísseis capacitado e uma economia complexa, que permitiria ao Estado se manter num confronto militar por tempo significativo”, diz Lima.

O pesquisador também chama atenção para o potencial destrutivo da guerra para a região, o que afasta o interesse de outros países do Oriente Médio em uma escalada do conflito.

“A política externa do Irã tem um caráter defensivo. O regime iraniano se sente atacado desde 1979 pelos Estados Unidos e sua reação tem sido buscar capacidade retaliatória contra os interesses norte-americanos e seus aliados no Oriente Médio. Por isso um conflito seria tão problemático. Uma resposta do Irã envolveria uma região inteira numa confrontação cuja previsibilidade é zero, a não ser de que seria altamente destrutiva.”

O contexto do conflito

No dia 27 de dezembro de 2019, um ataque de míssil contra uma base militar no Iraque matou um civil norte-americano.

Os Estados Unidos acusaram o grupo de milícias Kataib Hezbollah, apoiado pelo Irã, pelo ataque. E retaliaram no dia 29 de dezembro com o bombardeio de três locais no Iraque e na Síria que deixaram ao menos 25 pessoas mortas.

No dia 30 de dezembro, a embaixada dos Estados Unidos em Bagdá foi invadida por centenas de manifestantes pró-Kataib Hezbollah, que protestavam contra os ataques norte-americanos. Trump acusou o Irã de orquestrar a ação contra a embaixada.

Para José Antonio Lima, o ato de hostilidade contra a embaixada norte-americana teve um peso significativo na decisão de os Estados Unidos atacarem Soleimani. “Existe um histórico que faz com que um presidente dos Estados Unidos não deixe de reagir a uma situação dessa.”

O pesquisador relembra dois episódios contra instalações diplomáticas norte-americanas no Oriente Médio. O primeiro é o sequestro da embaixada norte-americana em Teerã em 1979 por estudantes iranianos que fez 52 pessoas reféns e que durou 444 dias.

“A ação não matou ninguém, mas mobilizou a opinião pública nos Estados Unidos e é o episódio inaugural da hostilidade atual entre o Irã e os Estados Unidos.”

O segundo foi o ataque ao consulado dos Estados Unidos em Benghazi, na Líbia, em 2012, onde foram mortos o embaixador norte-americano J. Chistopher Stevens e outros três funcionários.

“Até agora, no entanto, não apareceram as evidências de que o Soleimani apresentava um risco iminente de ataque às tropas norte-americanas, o que poderia indicar a existência de outras razões para o ataque”, diz Lima.

A ofensiva dos Estados Unidos contra o Irã desvia o foco do noticiário do processo de impeachment aberto recentemente contra Trump, o que indicaria uma possível motivação eleitoral.

Lima salienta porém a dificuldade de fazer esse tipo de análise no momento da crise. “As duas questões podem ter se juntado, é muito difícil compreender isso agora, no meio do olho do furacão.”

E o Brasil com isso?

O governo brasileiro adotou tom de apoio aos Estados Unidos na ação contra o Irã, o que levou a encarregada de negócios da Embaixada brasileira em Teerã a ser chamada a prestar explicações a autoridades iranianas.

Não há sinais, no entanto, de retaliações do Irã ao Brasil.

“Eu tenho tido um pouco de dificuldade de levar a sério as posições do Itamaraty e do governo de Jair Bolsonaro porque me parece uma administração um pouco desconectada da realidade”, diz Lima.

O especialista destaca, porém, que um conflito no Oriente Médio não deveria ser de interesse do governo brasileiro pelos impactos econômicos relevantes que traria ao país.

O Brasil tem balança comercial positiva com o Irã, com um saldo de 2 bilhões de dólares em exportações em 2019. Dentre os principais setores que exportam ao Irã estão o agrícola (milho e soja) e o pecuário (carne bovina).



Por Samantha Maia

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