O segmento de varejo vem sofrendo fortes impactos desde quando a pandemia de Covid-19 atingiu o mundo em 2020. Se no primeiro momento o fechamento obrigatório das lojas contribuiu positivamente para o encerramento das operações de lojistas com alavancagem financeira ou sem reserva de capital, hoje o cenário ainda não consolidou o “novo normal”.
Observam-se ainda retração e cautela impulsionadas principalmente pela menor disponibilidade de orçamento para a cesta de consumo das famílias, o qual é diretamente impactado pela inflação de dois dígitos que permanece no cenário de instabilidade global. Ações de empresas como Via Varejo (VIIA3) e Lojas Renner (LREN3) acumulam perdas superiores a 25% no último ano, enquanto a Petz já atingiu perdas superiores a 40% no ano em valor de ação.
Segundo a ABCOMM (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), o segmento de varejo atingiu receita de R$ 1,7 tri em 2022 e o e-commerce atingiu a marca de R$ 170 bi, ou seja, representa 10,1% do total da receita do setor. Embora a pandemia tenha sido um grande fator de incentivo para a adesão de muitas lojas ao mercado digital, as lojas físicas não deixaram de ter relevância após o isolamento social.
Nesse sentido, vale destacar os papéis de algumas empresas que atuam no segmento de shopping centers, como a Aliansce Sonae Shopping Center (ALSO 3), com alta superior a 33% no ano, e a Multiplan (MULT3), com alta de 29,16% no ano. O varejo físico em centros comerciais oferece não só conveniência e segurança para os consumidores, como também exerce o papel de centros de lazer para todas as idades.
De acordo com o relatório das principais tendências para o varejo em 2023 realizado pela Mastercard, observa-se que ainda hoje os consumidores estão dando prioridade para demandas que foram reprimidas durante a pandemia, ganhando destaque os pacotes de viagens e experiências diversas. Além disso, como vivemos num período de fluxo intenso de informações desejadas e não desejadas, os clientes já não querem se sentir sobrecarregados, o que força principalmente as empresas que atuam no segmento de serviços pela personalização do atendimento.
Mesmo com todas as transformações que o setor enfrentou, a inovação tecnológica tem exercido um papel importante nessa mudança e nota-se uma aceleração no desenvolvimento de tecnologias. Para garantir a saúde do negócio no longo prazo, as empresas tiveram de se atentar a alguns fundamentos básicos para enfrentar a acirrada concorrência, buscando eficiência de custo, facilidade operacional, aumento da oferta de escolhas para o cliente e sua respectiva personalização.
Vale destacar algumas ferramentas cada vez mais populares, como o autoatendimento em supermercados e algumas lojas de varejo, por exemplo, lojas autônomas e coleta de dados, tornando-se cada vez mais comum o uso de reconhecimento facial e biometria para sustentar a segurança e diminuir o risco de fraude. Ganha destaque também a integração de canais on-line e off-line (chamada de omnicalidade ou omnichannel) e a interação entre eles (chamada de phygital), fortalecendo o modo híbrido de consumo e abrindo possibilidade de comprar na loja virtual e retirar na loja ou experimentar na loja e solicitar a entrega em casa, por exemplo.
Enquanto nas últimas décadas as gigantes de tecnologia focaram na concentração e absorção de dados fornecidos pelos usuários para ajudar nas dinâmicas comerciais on-line e de divulgação assertiva de campanhas para determinado público-alvo, economizando esforço e capital, demandas como uma maior descentralização de dados e privacidade para os usuários estão cada vez mais altas.
As empresas que atuam no comércio digital também utilizam os servidores de grandes companhias de tecnologia para processarem seus dados e, consequentemente, podem abrir brechas para utilizações que nem sempre são claras ou éticas. Nesse sentido, as grandes varejistas globais destinaram esforços para construir fortalezas e proteger seus mercados dos competidores, visto que jogam a seu favor a escala produtiva e a capacidade de investimento, criando assim um abismo quase insuperável pelos pequenos e médios varejistas.
Entretanto, é possível observar neste cenário uma mudança com a ascensão de novos ecossistemas de negócio, inicialmente protagonizados pelo Alibaba na Ásia e pela Amazon nos Estados Unidos. Este modelo ganha relevância por ser aberto por definição, conseguindo unir empresas de diferentes portes e segmentos, competidores ou não, e que juntos fortalecem o todo, além de integrar diferentes soluções na jornada do consumidor, bem como para os vendedores cadastrados na plataforma, como entrega, meios de pagamento, relatórios gerencias e de mercado, soluções de processamento em nuvem, software, propaganda, entre outros.
Em contrapartida, uma das principais tendências que se nota no varejo físico é das companhias investirem cada vez mais em pontos de venda menores e mais próximos de seus consumidores. A ideia de mega store perde relevância e o resultado pode ser visto no desempenho financeiro das ações destas empresas, conforme mencionado. Tal comportamento está diretamente relacionado a mudanças de hábito do consumidor, que devido à pandemia foi estimulado ao longo dos últimos anos a se deslocar o mínimo possível, incentivando o varejo local. E tal fato contribuiu na elaboração das estratégias das companhias para otimizarem custo e melhorarem a logística. Nesse contexto de mudança e rápida transformação, as empresas também estão utilizando suas lojas físicas como centros de distribuição, de modo a agilizar a entrega de seus produtos para o cliente. Tais ações contribuem para aumentar a capilaridade das empresas e encontrar oportunidades com baixa presença de concorrentes.
O varejo é marcado por um enorme dinamismo e constante transformação e exige que seus gestores mantenham olhos atentos para conseguirem se adaptar com rapidez sem comprometer gasto indevido de capital, assim defendendo com robustez seus mercados de seus competidores. Muitas estratégias de longo prazo precisam ser revistas frente às enormes mudanças e o “novo normal”, que se esperava com o fim da pandemia, acabou dando lugar ao “antigo normal”. Em outras palavras, nunca precisaram defender tantos os fundamentos da eficiência, agilidade, personalização e assertividade na comunicação.
Diversas ferramentas foram elaboradas nos últimos anos para sustentar tais premissas, alguns exemplos foram citados no artigo, porém uma coisa é certa: é preciso se adaptar e constantemente rever as estratégias para investir naquilo que realmente tem dado certo. E o principal elemento neste quesito tem sido a inteligência no uso dos dados para saber ao certo onde estão as oportunidades de crescimento e, com isso, identificar e elaborar ações junto ao público-alvo da companhia para obter resultados positivos no curto e no longo prazo.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Yasser Hatia
Empresário, graduado em administração de empresas pela FGV e aluno no curso de mestrado profissional em gestão com foco em varejo pela FGV. Iniciou sua carreira no mercado financeiro atuando na área de fusões e aquisições. Atualmente exerce atividade profissional no segmento de varejo e serviço.
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