O ano de 2021 terminou sem deixar saudades. Marcado pela segunda onda da pandemia, que ceifou centenas de milhares de vidas, também foi o ano que consolidou o retorno da fome e da miséria no Brasil. Na economia, a recuperação do crescimento apenas recuperou o que foi perdido no ano anterior. Por sua vez, a inflação acelerou rapidamente, puxada pelo aumento de preço dos combustíveis, energia elétrica e alimentos, fazendo com que o IPCA alcançasse a marca de 10% no ano.
Infelizmente, o ano de 2022 começa com notícias desanimadoras. A variante ômicron avança com velocidade espantosa no Brasil e no mundo, elevando o risco de novas medidas de isolamento social e afastando temporariamente milhões de trabalhadores de suas funções. Isso deve impactar não apenas as taxas de crescimento econômico no primeiro trimestre, mas também a velocidade da recomposição das cadeias de produção, abaladas desde 2020 pela pandemia, o que poderá produzir novo aumento no custo de serviços e insumos.
A inflação global segue alta, com o Brasil encabeçando a lista dos 3 países com maior inflação no mundo (atrás de Argentina e Turquia). Esse fato deve levar alguns dos principais Bancos Centrais do mundo a reduzir os estímulos monetários e até elevar a taxa de juros, provocando uma fuga de capitais dos países emergentes, o que por sua vez deve gerar novas pressões pela desvalorização da taxa de câmbio nesses países. Ou seja, a solução para a inflação nos EUA (aumento dos juros pelo FED) pode provocar mais inflação no Brasil, obrigando o nosso Banco Central a elevar ainda mais a taxa SELIC.
Para piorar, os extremos climáticos têm cobrado seu preço no desempenho da economia brasileira. A seca na região sul e o excesso de chuvas na região norte/nordeste não apenas causaram uma elevação no custo da energia elétrica, mas também afetaram as safras, reduzindo em até 40% a produtividade da produção de soja e milho, o que coloca em xeque a perspectiva de novas safras recordes em 2022.
Por estes e outros motivos, a perspectiva de crescimento da economia brasileira para 2022 é baixíssima, havendo até a possibilidade de uma pequena recessão, de acordo com as previsões dos agentes de mercado. Em um cenário de elevado desemprego e expansão da pobreza, a combinação de inflação persistente e crescimento baixo soa como um típico cenário de depressão econômica.
Mas o ano de 2022 também traz consigo um bocado de esperança. Mesmo que as previsões econômicas não sejam alvissareiras, a possibilidade de mudança de rumos propiciada pelo processo eleitoral acende uma centelha de esperança por dias melhores. A perspectiva de superação do negacionismo e do “destrutivismo” como políticas de Estado faz com que possamos vislumbrar a superação da depressão brasileira.
Nesse pleito, mais importante do que o debate sobre a política econômica será o debate sobre o estilo de desenvolvimento que o país deverá adotar a partir de 2023. É a opção por um estilo de desenvolvimento que irá determinar quais reformas e mudanças institucionais serão levadas a cabo pelo próximo governo.
Candidatos que apostam no modelo neoliberal, retomado pela “Ponte para o futuro” de Temer e aprofundado pelo “ultraliberalismo” de Guedes, apostarão na manutenção do teto de gastos, no avanço das privatizações, na redução do Estado e do investimento público, na contenção do salário mínimo e no aprofundamento da precarização do trabalho, seja no setor público, com uma reforma administrativa que acabe com a estabilidade, seja no privado, com uma nova rodada de reforma trabalhista. Essa agenda já foi anunciada publicamente pelos assessores econômicos de Moro e Dória, que assim como Bolsonaro representarão a opção pelo aprofundamento da estratégia neoliberal, que tem fracassado no Brasil e no mundo.
Já candidatos que apostem em uma retomada do estilo “desenvolvimentista” devem recuperar elementos de sucesso do ciclo de desenvolvimento compreendido entre 2003-2014, corrigindo eventuais erros e atualizando algumas políticas aos desafios econômicos, sociais e ambientais das próximas décadas. Temas como o fortalecimento de um programa de transferência de renda capaz de eliminar a pobreza, a retomada dos investimentos públicos (tanto em infraestrutura, quanto sociais), a ampliação dos direitos trabalhistas para os trabalhadores precarizados/uberizados, a elevação do salário mínimo, a aprovação de uma reforma tributária progressiva e o fortalecimento do papel indutor do Estado devem permear as propostas de candidatos alinhados a esse campo.
Evidentemente, será necessária a revisão do atual arcabouço fiscal para viabilizar os investimentos necessários à retomada do desenvolvimento econômico e social. Uma nova regra fiscal moderna, alinhada com a literatura e experiência internacional, pode funcionar como mecanismo de estabilização fiscal de longo prazo e ao mesmo tempo permitir a flexibilidade necessária para a ampliação dos investimentos que induzirão a saída da depressão.
Outro tema incontornável será o da transição ecológica, que pode tanto servir como vetor de desenvolvimento e inovação, quanto servir como forma de recolocar o Brasil no mundo do ponto de vista das relações exteriores. Até pela urgência da crise climática e social, a centralidade da ação Estatal deveria pautar o debate eleitoral, superando os velhos paradigmas de “estado mínimo” que ainda habitam o debate econômico.
Obviamente que, mesmo dentre candidatos que compartilham de um “estilo de desenvolvimento” similar, podemos encontrar diferenças de abordagens e propostas. Apesar disso, o embate fundamental no campo econômico segue sendo o mesmo das décadas passadas, com um neoliberalismo que regrediu para os manuais da década de 1990 (quando não para aqueles da década de 1970, típicos do Pinochetismo) e um desenvolvimentismo que deve se atualizar para enfrentar os desafios que um mundo em profunda transformação impõe. O leitor deve escolher onde prefere depositar suas esperanças de superação da depressão.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Guilherme Mello
É economista e sociólogo, com mestrado em Economia Política pela PUC-SP e doutorado em Ciências Econômicas pela Unicamp. É professor do Instituto de Economia da UNICAMP e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura do IE/UNICAMP. Foi assessor econômico para a campanha de Fernando Haddad à Presidência da República em 2018.
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