Pesquisas e debates empreendidos no contexto do Bicentenário da Independência do Brasil, celebrado neste 7 de setembro de 2022, têm sido marcados pela busca de um entendimento mais complexo sobre o que foi o processo que levou à separação do país de Portugal.
No livro “Ideias em Confronto: Embates pelo poder na Independência do Brasil de 1808 a 1825” (Todavia, 2022), a historiadora Cecilia Helena de Salles Oliveira, por exemplo, coloca em questão a narrativa conciliadora construída em relação à independência do país.
“A gente aprende que a Independência do Brasil foi um momento muito pacífico e que a própria história do país, particularmente no século XIX, foi muito negociada, como se houvesse um conjunto de grupos de elite e o restante da sociedade não atuasse ou não tivesse espaço para atuar. Mas pesquisas mostram o inverso, as guerras de independência são muito mais amplas do que normalmente a gente imagina”, afirma a historiadora.
Cecilia Oliveira fala sobre como a violência estava presente nas relações sociais no Brasil no começo do século XIX, desde na dominação das populações indígenas e na escravização de pessoas negras, como entre homens livres, das mais variadas condições de riqueza e inserção social. “No momento da independência, essa sociedade se manifesta através de muitas demandas, projetos políticos diversos, que não concordavam com aquilo que o governo do Rio de Janeiro se propunha, então há muitas contradições, que acabam levando a enfrentamentos armados mesmo.”
A extrema desigualdade era outra marca da sociedade da época, como salientou a historiadora, e a perspectiva de cidadania trazida pela independência excluía grande parte da população, como indígenas, negros e mulheres. Quando o Brasil se tornou independente de Portugal, as elites reforçaram seu pacto com o uso da mão de obra escrava e aumentaram o comércio de pessoas escravizadas, mesmo diante da pressão da Inglaterra, sua grande parceira comercial, pelo fim do tráfico negreiro.
“Aqueles mesmos que falavam de liberdade e da cidadania, falavam também do recrudescimento do tráfico e da escravidão como forma de desenvolver ainda mais as lavouras e expandir seus lucros. Então, numa sociedade muito desigual como aquela que assistiu à independência, atravessada pela escravidão, pela dominação das populações indígenas, onde também as mulheres estavam fora de qualquer perspectiva de cidadania, é nessa base que vai sendo erguida a primeira identidade nacional”, destaca Cecilia Oliveira.
A historiadora lembra que José Bonifácio, apesar de se declarar contrário à continuidade do tráfico, fazia a ressalva que o governo de Dom Pedro perderia completamente o respaldo dos produtores rurais caso seguisse nessa direção. “Ao longo do primeiro reinado foram inúmeras a tentativas para se chegar à supressão do tráfico, que só se deu em 1850. Aí você vê a força dos produtores que não abriam mão da mão de obra escravizada.”
A construção política da data de 7 de setembro, explica Cecilia Oliveira, se deu ao longo do século XIX como forma de fortalecer a imagem de Dom Pedro I e, posteriormente, foi apropriada pelos republicanos como uma data de fundação da nacionalidade brasileira. “Ou seja, é uma data que vai sendo construída politicamente ao longo do tempo. Para uma sociedade tão desigual e tão dividida como a nossa, vários grupos veem no 7 de setembro as suas próprias expectativas. Quem sabe agora um futuro diferente, mais abrangente, mais inclusivo, mais democrático.”
Cecilia Oliveira é professora no Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Seu livro foi lançado em agosto em um evento na Livraria Megafauna, em parceria com o IREE Cultura, e o vídeo completo da transmissão pode ser assistido clicando aqui no canal IREETV.
Assista abaixo a um trecho da entrevista!
Por Samantha Maia
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