A defesa do impeachment de Bolsonaro ainda não é uma posição comum de todos aqueles que se opõem a seu governo. Há os que avaliam que um segundo impeachment em cinco anos dilapidaria o que restou de institucionalidade no país. Outra alegação é de que, com a articulação de Bolsonaro com Lira e o centrão, a luta pelo impeachment seria vã, sem perspectivas de sucesso. E há ainda a defesa pragmática de um desgaste contínuo até 2022, para derrotá-lo nas eleições, com uma alternativa mais segura do que um duvidoso processo no parlamento.
Estou entre aqueles que defendem que a luta pelo impeachment é a principal batalha do momento, por pelo menos três razões.
Primeiro, trata-se de interromper um genocídio e salvar vidas. Estamos num período especialmente grave, enfrentando a maior crise sanitária da nossa geração, com um sociopata no comando. Nada indica que Bolsonaro vai alterar sua política de boicote às medidas de saúde pública e de desinformação da população. O ritmo de vacinação seguirá com ele muito abaixo do potencial do SUS, por falta de doses e organização centralizada. A possibilidade do surgimento de novas variantes, eventualmente resistentes às vacinas atuais, aumenta com o arrastar da pandemia no país.
Ou seja, interromper o governo de Bolsonaro significaria a vitória do apelo social por uma condução responsável do enfrentamento à pandemia. E consequentemente forçaria a implementação de uma política que salve vidas. Estamos falando de um dever ético, acima de qualquer cálculo político eleitoral.
Segundo, Bolsonaro prepara o golpismo contra as eleições de 2022. Diante da queda de sua aprovação e com a probabilidade de ser derrotado nas urnas, ele intensificou a narrativa de que o sistema eleitoral não é confiável. A defesa do voto impresso tem como finalidade armar sua base para se insurgir contra os resultados das eleições, caso seja derrotado. Trump deu o exemplo no Capitólio. Bolsonaro aposta ir mais longe, mobilizando milicianos e sua influência em setores das polícias militares e das Forças Armadas. O episódio da presença de Pazuello na manifestação bolsonarista serviu de precedente para uma politização mais explícita das bases militares.
Neste sentido, o processo de impeachment, com a sociedade mobilizada e com o governo na lona, desarma o roteiro golpista que Bolsonaro tem preparado.
Terceiro, as condições políticas para o impeachment estão amadurecendo rapidamente. A questão aqui não são os pressupostos jurídicos: Bolsonaro cometeu inúmeros crimes de responsabilidade, listados nos mais de cem pedidos de impeachment. Mas sim a viabilidade política do processo. O escândalo da Covaxin deixa o governo na sua maior defensiva até aqui e tem potencial de dividir o centrão, até porque a denúncia partiu de um deputado da própria base. Apesar do caminhão de emendas e cargos, o centrão colocará na balança o custo eleitoral de estar ligado a um presidente cada vez mais tóxico. Afinal, os deputados querem reeleger-se no ano que vem.
A chance de uma crise crescente na base parlamentar de Bolsonaro é real. O ritmo ainda baixo de vacinação, os níveis elevados de desemprego e o desgaste causado pela CPI colocam o impeachment no horizonte. E a retomada das mobilizações de rua, a partir de 29 de maio, mudou o pêndulo da pressão social.
Por essas razões, por ser necessária e possível, a luta pelo impeachment deve concentrar as energias da oposição a Bolsonaro. O momento exige decisão e coragem.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Guilherme Boulos
É professor, diretor do Instituto Democratize e coordenador do MTST e da Frente Povo Sem Medo.
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