Sofrimento, Periodicidade e Otimismo – IREE

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Sofrimento, Periodicidade e Otimismo

Ricardo Dias

Ricardo Dias
É luthier, escritor e músico



Quando saio um pouco mais tarde da casa de meus pais eu cuido de baixar o farol ao sair da garagem. Do outro lado da rua algumas pessoas dormem, debaixo de uma árvore, e a única coisa que posso fazer é tentar não incomodá-las.

Minha pusilanimidade também se manifesta ao entrar em lojas, mercados etc. Finjo que estou ao telefone, para não precisar dizer não às dezenas de pedintes que ficam nas portas. Eu faço isso e acho que me causa sofrimento. Apenas acho, pois não posso chamar um mero sentimento de sofrimento, diante de pessoas passando fome.

Escrevo esta coluna no dia 31 de Março. Acabo de ler a nota conjunta do Ministério da Defesa elogiando a ditadura de 64. Essa ditadura é uma das culpadas diretas pela situação descrita nos parágrafos anteriores. Direta, que fique claro. Tínhamos um país arrumado, desenvolvendo-se, até que alguns canalhas, solidamente financiados, resolveram que estávamos ameaçados pelo comunismo. E nos legaram morte, tortura, miséria. NADA de positivo. Em duas décadas não nos legaram absolutamente nada bom. Deixaram o país na miséria.

Mas nos recuperamos. Aos poucos fomos nos ajeitando, e crescemos. Chegamos a ser a oitava economia do mundo, fomos felizes, ou bem perto disso. Mas o mal é vigilante e não descansa nunca, e nos vimos diante de algo PIOR que a ditadura, ao menos em termos administrativos. Por enquanto a tortura ainda não é uma arma do Estado. Apesar do que disse, os golpistas de 64 tinham uma ideia de Brasil. Equivocada, ilógica, corrupta, mas havia. Hoje, não conseguimos entender o que norteia – ou suleia, ou oesteia, seja lá para que lado sua anencefalia aponte – o celerado que ora ocupa o planalto. Qual seu objetivo? Seu resultado eu menciono no início da coluna, gente passando fome, gente morrendo, gente sofrendo, filha das que sofreram pela ditadura. Gerações destruídas, graças à ambição desmedida de desocupados sem caráter.

Mas esta é uma coluna de humor, me sinto obrigado a ao menos tentar. E preciso explicar o que houve com a periodicidade desta coluna.

Periodicidade! Onde eu trabalhava inauguraram uma linha de ônibus, que seria interessante para mim. Querendo detalhes, perguntei ao despachante da empresa:

-Por favor, amigo, qual é a periodicidade desse ônibus?

Ele coçou a cabeça e disse:

-Sei não, acho que é Mercedes!

Então, minha Mercedes nessa coluna se alterou, não será mais quinzenal, mas continuarei aparecendo aqui, não há necessidade de choro e ranger de dentes, ninguém precisa atear fogo às vestes. Concluo a coluna de hoje com uma nota otimista, como a da pessoa que caiu do décimo andar ao passar pelo quinto:

-Até aqui tudo bem.

Precisamos aguardar até outubro para saber se haverá ou não uma rede salvadora. Estaremos machucados, doídos, sofridos, mas vivos – ao menos espero.

Otimismo é meu nome do meio. Até a próxima.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Ricardo Dias

Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.

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