Renda Básica de Cidadania: uma política que demanda atenção – IREE

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Renda Básica de Cidadania: uma política que demanda atenção

Loreta Guerra

Loreta Guerra
Graduanda em Economia da FGV e em Ciências Sociais na FFLCH-USP



No final de abril, o Supremo Tribunal Federal revisitou uma questão há tempos debatida no país: a renda básica de cidadania. Esse instrumento econômico é conhecido e analisado no mundo todo, principalmente nos países em desenvolvimento que ainda contam com uma parcela expressiva da população em situação de pobreza. No Brasil, a possibilidade de incluí-lo na agenda econômica nasceu no começo dos anos 2000 e, com a queda das atividades econômicas decorrente da persistência da pandemia da COVID-19, ganhou uma expressão mais forte.

Em 2004 já havia sido sancionada uma lei (nº 10.835) que determinava a instituição, a partir de 2005, da renda básica de cidadania para todos os brasileiros e estrangeiros residentes há mais de 5 anos. Como foi definido, esse benefício exibia caráter essencialmente universal, pois a quantia, a ser determinada, seria independente da condição socioeconômica do favorecido. Desde então, entretanto, nada foi feito para definir qual seria o valor da renda básica nem para organizar sua implementação.

Agora, o STF determinou que, a partir de 2022, o programa da renda básica seja oficialmente efetivado. Nessa decisão, contudo, o caráter universal do plano não foi mantido: a concessão da renda básica deverá ser condicional à situação socioeconômica do indivíduo, sendo exclusiva aos que se encaixem nos critérios de pobreza e extrema pobreza (com renda mensal inferior a R$178,00 e R$89,00, respectivamente).

Essa particularidade da deliberação é extremamente importante, dado que, apesar da essência da política ser universal, com o atual orçamento público brasileiro, seria impossível manter o programa para a população como um todo. Concentrando-se nas camadas social e economicamente desfavorecidas, esse mecanismo redistributivo causaria um aumento no consumo das famílias mais pobres, reduzindo a desigualdade e ainda gerando externalidades positivas na economia.

Renda Básica de Cidadania: uma política que demanda atenção

Foto: Divulgação / Prefeitura de Cuiabá

Existem outros programas com objetivos parecidos já em vigor no Brasil. O Bolsa Família e, mais recentemente, o Auxílio Emergencial também têm como objetivo eliminar barreiras econômicas ao consumo através de transferências monetárias.

No caso do primeiro, já foram realizados diversos estudos comprovando sua eficiência e poder redistributivo. Além de se basear no recurso de concessão monetária, muito defendido pela teoria econômica, apresenta outros tipos de condicionalidade, como a de que as crianças da família beneficiada frequentem a escola com regularidade. Por meio de políticas como essa, não só o consumo é impulsionado e a desigualdade de curto prazo reduzida, mas a de longo também através do incentivo à acumulação de capital humano (garantido pela escolarização), que comprovadamente aumenta a expectativa de remuneração futura.

A renda básica de cidadania não é ainda um projeto completo e seu cerne é diferente de programas como o Bolsa Família, dado que esse caráter de incentivos à parte não foi incluído nos debates sobre sua implementação. Se o projeto for substituir algumas políticas unindo-as em um benefício único pela renda básica, então será importante refletir como manter os fomentos adicionais, como o da educação.

A ideia de centralizar programas redistributivos em uma só plataforma é muito debatida e realmente pode apresentar efeitos interessantes de melhoria na organização e redução dos custos com burocracia. Entretanto, descuidar da oportunidade de gerar impactos em outros setores além da economia, com repercussões positivas de longo prazo, seria um grande deslize.

Outro aspecto ainda a ser bem elaborado é o da quantia a ser distribuída. Em 2020 a Espanha implementou um projeto de renda mínima com caráter progressivo para a população em situação de vulnerabilidade econômica. Isso significa que, a depender da renda do indivíduo ou da família, o benefício pode aumentar ou diminuir em graus pré-determinados. É uma boa alternativa para incluir de forma eficiente um número maior de beneficiários, pois não há uma “linha de corte” que determine quem participa do programa e a quantia é indexada às particularidades financeiras de cada um.

De acordo com o Cadastro Único para Programas Sociais, instrumento governamental que reúne informações sobre a população economicamente vulnerável no Brasil, em março deste ano, das 29.592.371 famílias inscritas, cerca de 17 milhões apresentavam renda per capita abaixo do nível de pobreza, com mais de 14 milhões abaixo da extrema pobreza.

Os programas de redistribuição são, mais que nunca, imprescindíveis no Brasil. Por isso, discutir novas ideias como a da renda básica de cidadania, inclusive ponderando sobre uma eventual unificação de plataformas, é fundamental. Entretanto, há muitos fatores a serem considerados nessa formulação, tanto sobre como manter incentivos adicionais para o crescimento de longo prazo, quanto sobre definir o melhor mecanismo, assegurando sua eficiência e inclusão do maior número de beneficiários possível.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Loreta Guerra

É graduanda em Economia na Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Participou em 2020 de um estudo sobre os impactos da Lei Maria da Penha com o grupo de Jurimetria da USP e é redatora da revista estudantil da FGV Gazeta Vargas desde 2019.

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