Quão frequente é a fraude corporativa? – IREE

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Quão frequente é a fraude corporativa?

Yasser Hatia

Yasser Hatia
Administrador especialista em varejo e serviços



Fraude e corrupção são temas que frequentemente nos prendem a atenção, presentes nas manchetes de todas as mídias, nas discussões políticas, nas corporações e até mesmo em situações do cotidiano. Um caso recente que trouxe a discussão novamente à tona foi o escandaloso rombo financeiro da Americanas S.A. Mas casos como esse são raros no mundo dos negócios? Um estudo acadêmico recente mostrou que não: as fraudes são muito mais frequentes do que podemos supor, podendo atingir até 10% das companhias norte-americanas de capital aberto todos os anos.

Tal estudo, realizado por Alexander Dyck, professor de finanças da Universidade de Toronto, e colaboradores, resultou num artigo provocativo intitulado How pervasive is corporate fraud?”, publicado em janeiro na Review of Accounting Studies, e se tornou um tema obrigatório entre conselheiros administrativos e financeiros, líderes corporativos e investidores.

O primeiro aspecto abordado no trabalho consiste na definição de fraude, pois não é fácil definir fraude corporativa com precisão. Conforme observou o professor Dyck e seus coautores: (1) segundo um tribunal americano “a lei não define fraude; não precisa de definição; é tão antigo quanto a falsidade e tão versátil quanto a engenhosidade humana”; (2) Na mesma linha, o Fourth Circuit observou que “fraude é um termo amplo, que inclui representações falsas, desonestidade e engano”; (3) A lei de valores mobiliários americana define fraude de valores mobiliários como “tornar qualquer informação falsa declaração de fato relevante ou omitir a declaração de fato relevante necessário para fazer as declarações feitas, à luz das circunstâncias em que foram feitas, não enganosa”; (4) A prática jurídica estabelecida exige a presença de três elementos para caracterizar um ato de fraude: deturpação, materialidade e intenção.

Além disso, os acadêmicos buscaram definir uma metodologia para encontrar a parcela não detectada de fraude nas empresas de capital aberto, que é o ponto central do estudo. Para identificar a parte “oculta”, foi utilizado o caso da falência da empresa de auditoria Arhur Andersen em 2001, após o colapso da Enron. Naquela época, os antigos clientes da empresa estavam no centro das atenções e os novos auditores estavam muito mais motivados a descobrir irregularidades, dadas as suspeitas que pairavam sobre as empresas que haviam trabalhado com a Arthur Andersen. Este exame minucioso por parte dos ex-clientes, aumentou a probabilidade de detecção de fraudulência preexistente, isso porque a taxa de fraude encontrada no caso citado deve ser mais precisa do que outras medidas adotadas. Mas constatou-se também que a taxa de irregularidade encontrada entre os clientes da Arthur Andersen não era maior do que em outras empresas que trabalham com outros auditores externos. A mesma proporção de corrupção apareceu em um conjunto de comparações com outras pesquisas.

As evidências encontradas pelo estudo de Toronto sugerem que, em tempos normais, apenas um terço das fraudes corporativas são detectadas. Combinando a difusão da fraude com as estimativas existentes dos custos da fraude detectada e não detectada, estima-se que a fraude corporativa destrói 1,6% do valor patrimonial das empresas norte-americanas de capital aberto a cada ano, ou seja, equivalente a USD 830 bilhões em 2021.

Dado o quão comum é a fraude em empresas públicas auditadas, a má conduta provavelmente é ainda mais difundida em empresas privadas, particularmente em criptomoedas, que são pouco regulamentadas. “O que as pessoas não entendem é quão difundido é o problema da fraude corporativa”, disse o professor Dyck.

Mesmo as pessoas que passaram suas carreiras investigando irregularidades corporativas têm dificuldade em estimar quanta fraude ocorre nas grandes empresas e quão pouco é detectado. Além disso, é muito difícil provar má conduta e apontar todos os envolvidos em irregularidades, dado que para processar a fraude é necessário comprovar a intenção dos agentes, além do fato de que corrupção em grandes empresas normalmente envolve muitas pessoas.

Durante a análise de diferentes casos de rombo corporativo, percebe-se que as pessoas envolvidas constantemente ultrapassam os limites. Ainda assim, é muito difícil provar má conduta e apontar todos os envolvidos em irregularidades. A intenção só pode ser provada em tribunal, e todos esses supostos casos de fraude são resolvidos antes de chegarem ao veredicto final, já que o seguro de diretores e conselheiros não indenizam executivos caso sejam condenados em tribunal. Com isso, em geral, os casos debatidos são supostas fraudes que foram resolvidas fora do tribunal.

A SEC (U.S. Securities and Exchange Comission) adotou recentemente uma norma que visa mudar esse cenário. Ela prevê que as empresas registradas desenvolvam políticas de recuperação. Essa regra permitirá que as empresas recuperem o pagamento realizado com base em incentivos de atuais ou ex-executivos se estes foram baseados em informações financeiras incorretamente prestadas e a empresa for forçada a fazer uma atualização contábil.

Segundo Donald Langevoort, do Centro de Estudos Jurídicos da Universidade de Georgetown, “saber que seus próprios bônus estão em jogo encorajará até mesmo executivos desafiadores a serem mais vigilantes”. Dessa forma, espera-se que a nova regra e outros esforços não deixem mais impunes empresas e executivos que destroem o valor patrimonial das empresas de forma rotineira, causando prejuízo a seus acionistas, executivos e investidores.

Enfim, o maior mérito do estudo dos acadêmicos da Universidade de Toronto é demonstrar que o que vemos no nosso dia a dia em matéria de fraude e corrupção corporativa é apenas um pouco mais do que a ponta do Iceberg. E que valores significativos em ativos continuam sendo destruídos, apesar dos esforços das normas e legislações promovidas sob o impacto dos casos mais recentes. Mas à nova norma da SEC será preciso somar novas rodadas de incrementos legais e incentivos para a conquista de um ambiente mais saudável nas empresas de capital aberto, preservando valores, empregos e respeito aos investidores que acreditam de boa-fé nas informações corporativas. Sem isso, o mercado de capitais continuará sofrendo frequentes abalos de credibilidade, comprometendo sua capacidade de fornecer volumosos recursos para o investimento produtivo.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Yasser Hatia

Empresário, graduado em administração de empresas pela FGV e aluno no curso de mestrado profissional em gestão com foco em varejo pela FGV. Iniciou sua carreira no mercado financeiro atuando na área de fusões e aquisições. Atualmente exerce atividade profissional no segmento de varejo e serviço.

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