O Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) lançou recentemente o boletim “Mulheres na Câmara: produção legislativa dos últimos anos e perspectivas para 2021”.
Os dados são interessantes na medida que revelam que, a despeito da subrepresentação numérica de eleitas, elas têm atividade parlamentar comparável à dos homens, ou superior, quando se observa, por exemplo, a produção legislativa per capita.
Um achado bastante relevante diz respeito ao elevado número de apresentação de emendas. Em determinados períodos, as mulheres chegam a superar os homens nesse quesito.
Desde a redemocratização elas também são mais ativas quanto ao requerimento de audiências públicas, ou seja, quando é feito um convite a membros da sociedade civil para participar de debates fundamentais que contribuem para qualificar o processo legislativo.
Por fim, vale destacar que as mulheres assinam mais requerimentos para a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), fortalecendo ações de fiscalização da máquina pública.
Contudo, se há equidade no trabalho parlamentar, e mesmo superioridade feminina em determinadas atividades da Casa Legislativa, por que as mulheres continuam ocupando poucas posições de liderança na Câmara dos Deputados?
Chamo atenção para o aumento no número de mulheres na Mesa Diretora neste biênio da atual legislatura. São ao todo três mulheres, um recorde histórico. Porém, como os pesquisadores do OLB bem lembram, a agenda da Casa é formalmente definida pelo presidente (Arthur Lira/PP-AL), que partilha tal responsabilidade com as lideranças partidárias, em sua maioria homens.
Por ser restrito a dados da atividade parlamentar, o trabalho do OLB não consegue capturar aspectos da organização partidária que pode ter impacto o poder institucional das mulheres no parlamento.
Apesar de os partidos políticos no Brasil serem considerados “fracos” por alguns comentadores e pelo público em geral, a lógica de funcionamento institucional da Câmara e do Senado depende muito dos partidos, em especial das lideranças partidárias, que decidem, entre outros assuntos, a nomeação para a presidência de comissões permanentes e para as relatorias de projetos de lei. São deliberações que passam primeiro dentro do partido, sem o uso de regras formais.
Sabemos que historicamente regras informais têm prejudicado a ascensão das mulheres ao poder. Por não conseguirem ocupar espaços significativos nas Executivas partidárias, as mulheres acabam tendo também pouco espaço no Colégio de Líderes, órgão central para as principais decisões que envolvem o parlamento.
Tal distorção é produto do funcionamento de uma sociedade excludente, que preconceituosamente considerava o universo da política “assunto de homem”. Para corrigi-la é necessário que o funcionamento “natural” da sociedade seja regulado.
Assim como avançamos no estabelecimento de cotas mínimas (30%) para a formação das chapas eleitorais, precisamos avançar agora em uma pauta que reserve às mulheres voz dentro dos seus partidos. Encontra-se parado na Câmara dos Deputados, sem atenção ou prioridade, o Projeto de Lei 2436/11, de autoria da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que estabelece a distribuição igualitária entre homens e mulheres no preenchimento de cargos nos órgãos de direção e de deliberação partidários.
No ano passado a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) interpelou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com uma consulta similar. A análise da proposta sobre a possibilidade de que a regra de reserva de gênero de 30% para mulheres nas candidaturas proporcionais também incida sobre a constituição dos órgãos partidários como comissões executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais obteve decisão positiva dos ministros do tribunal em 19 de maio de 2020.
Infelizmente, o segundo questionamento da deputada, sobre a criação de uma sanção aos partidos que não cumprirem a cota mínima, recebeu decisão negativa. Ou seja, há pouco a se comemorar, pois de fato temos uma regra sem respectiva punição aos que a violam.
Que ao longo deste mês da mulher possamos refletir sobre esse assunto tão fundamental para a saúde do sistema democrático, que é a igualdade de gênero na representação política, e trabalhar para que as mulheres ocupem efetivamente espaços institucionais de poder, começando pela tão fundamental organização partidária.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Carolina de Paula
É doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ, Diretora Executiva do DataIESP e consultora da UNESCO. Coordenou o "Iesp nas Eleições", plataforma multimídia de acompanhamento das eleições de 2018. Foi coordenadora da área qualitativa em instituto de pesquisa de opinião e big data, atuando em diversas campanhas eleitorais e pesquisas de mercado. Escreve mensalmente para o IREE.
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