Por Juliana Pithon*
No domingo, 11 de junho de 2023, acontece a 27ª Parada do Orgulho LGBT+ em São Paulo, manifestação que tem como objetivo celebrar o orgulho contra o preconceito, fortalecer as conquistas alcançadas e defender o respeito à diversidade e a construção de políticas públicas para a população LGBTQIAP+.
O Brasil é um dos países que mais realiza Paradas, com movimentos em mais de cem cidades. Em São Paulo, a primeira Parada do Orgulho LGBT+ ocorreu em 28 de junho de 1997, reunindo 2 mil pessoas. Atualmente atrai um público de cerca de 3 milhões de pessoas.
Dados sobre LGBTfobia
Apesar do crescimento do debate público sobre identidade de gênero e orientação sexual no Brasil, o país enfrenta altos índices de violência e discriminação contra a comunidade LGBTQIAP+.
De acordo com dados do Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+ no Brasil, o país registrou ao menos 273 mortes violentas de pessoas LGBTQIAP+ em 2022. O número reflete uma média de uma vida perdida a cada 32 horas.
Segundo o Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, em 2021, foram registrados 140 assassinatos de pessoas trans no Brasil. Entre 2008 e 2021, a média anual de assassinatos de pessoas deste grupo é de 123,8. Além da violência física, trans sofrem com violações dos direitos humanos como a negação do uso do nome social e restrições de acesso a espaços públicos.
A trajetória das políticas públicas LGBTQIAP+
No Brasil, as políticas públicas voltadas para a comunidade LGBTQIAP+ tiveram avanços e retrocessos ao longo das últimas décadas, processo que reflete a complexidade do cenário político e social do país em relação à diversidade.
Na década de 1990, ganha força a atuação de movimentos sociais e organizações LGBTQIAP+ no país reivindicando o reconhecimento e a proteção da comunidade. Por conta da epidemia de HIV/AIDS, ganham destaque as políticas públicas voltadas à população LGBTQIAP+ na área da saúde.
Um fortalecimento das políticas públicas LGBTQIAP+, com importantes avanços, aconteceu ao longo dos anos 2000. Em 2004, foi lançado o programa “Brasil Sem Homofobia”, que propunha ações transversais, em áreas como segurança, educação e cultura. Dois anos depois, o orçamento federal passou a destinar recursos para ações específicas voltadas para as políticas LGBTQIAP+ e a Lei Maria da Penha foi sancionada com várias medidas, incluindo a explicitação da união homoafetiva feminina.
Em 2008, foi realizada a 1ª Conferência Nacional LGBT, com a presença do então Presidente Lula da Silva, uma demonstração do reconhecimento das demandas do movimento pelo governo. No ano seguinte, foram lançados o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT e a Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos LGBT. Em 2010, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação passou a se dedicar exclusivamente às políticas LGBTI+, adotando a nomenclatura CNCD/LGBT e o Ministério da Fazenda estendeu o direito de declaração conjunta para casais homoafetivos, inclusive para fins de Imposto de Renda.
Avanços sociais e a luta contra o conservadorismo
No governo Dilma, em 2011, foi criado o módulo LGBT no Disque 100, com o objetivo de tornar o Disque Direitos Humanos apto a receber denúncias de violações dos direitos da população LGBT. No mesmo ano, foi elaborado o primeiro Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, o qual resultou em um crescimento de 116% nas denúncias contra violência homofóbica em apenas um ano.
Neste período, também houve um aumento das tensões em torno das políticas públicas LGBTQIAP+ com o fortalecimento da Frente Parlamentar Evangélica e o avanço da pauta conservadora no Congresso. A segunda Conferência Nacional LGBT ocorreu sem a presença da Presidenta da República, Dilma Rousseff, o que frustrou expectativas. Um episódio representativo das pressões conservadoras sobre o governo foi o veto à distribuição de material didático produzido pelo programa “Escola sem Homofobia”, que ganhou o apelido pejorativo e calunioso de “kit gay”.
Na contramão desses retrocessos, o ano de 2013 foi marcante em relação às conquistas da comunidade LGBT+. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), foi ampliado o atendimento completo para travestis, transexuais e transgêneros, incluindo terapia hormonal e cirurgias, e além disso, o nome social passou a ser respeitado e incluído no cartão do SUS.
No serviço público federal, os casais homoafetivos obtiveram o reconhecimento oficial de seus direitos, incluindo acesso a planos de saúde e licença gala, entre outros benefícios, equiparando-os aos casais heterossexuais.
Além de assinar a Convenção contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância da Organização dos Estados Americanos, em Antígua (Guatemala), o governo criou o Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência contra LGBT, com uma estrutura articulada envolvendo comitês de combate à discriminação e violência à apoio psicológico e jurídico.
Em 2015, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos deixou de apresentar uma ação específica para políticas LGBTQIAP+. Em 2016, foi realizada a terceira Conferência Nacional LGBT+.
Desafios políticos e resistência
No mesmo ano, já sob o governo Temer, houve a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, transferindo suas competências para o Ministério da Justiça. Em seguida, o Ministério dos Direitos Humanos (MDH) foi recriado e uma ação orçamentária exclusiva para as políticas LGBTQIAP+ foi restabelecida.
No ano de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu às travestis e transexuais o direito de realizar a alteração de nome e gênero em seu registro civil, mesmo sem a necessidade de passar por procedimentos cirúrgicos de redesignação de sexo.
Já em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro, ocorreram retrocessos significativos para a comunidade LGBT+. O MDH foi renomeado para Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, liderado por Damares Alves, opositora das políticas LGBTQIAP+.
Também houve uma reformulação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, enfraquecendo a participação da sociedade civil. Em 2020, ocorreu a exclusão de uma ação orçamentária exclusiva para políticas LGBTQIAP+ e a revogação da quarta Conferência Nacional LGBT. Em 2021, o Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT foi fechado.
Uma agenda de reconstrução e progresso
No atual terceiro governo de Lula, políticas de direitos LGBTQIAP+ tem sido retomadas. O Ministério dos Direitos Humanos foi restabelecido e uma importante conquista foi a criação da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, liderada por Symmy Larrat, a primeira travesti a ocupar o cargo de secretária nacional.
Além disso, o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Intersexos, Assexuais e Outras (CNLGBTQIA+) foi recriado, mais um sinal positivo de comprometimento com a representatividade e o diálogo entre o governo e a comunidade LGBTQIAP+.
Apesar dos avanços ao longo dos anos, as políticas LGBTQIAP+ no Brasil ainda enfrentam muitos desafios para garantir a igualdade, o respeito e a segurança dessa comunidade. A luta por direitos continua sendo fundamental para combater a violência e a discriminação e promover a inclusão e a dignidade de todas as pessoas, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero.
*Juliana Pithon é redatora do IREE
Por Equipe IREE
Leia também

A vingança dos bullyineados
Continue lendo...
Henrique Vieira: Radicalização à direita vai além dos evangélicos
Continue lendo...