Antes de falar do Natal, preciso falar do aniversariante. Ele nos conclama a perdoar os inimigos. E, mais que apenas perdoar, os perdoar 70 x 7 vezes. 490 perdões. Resolvi atender a seu pedido e perdoar o ocupante do Planalto, e as tais 490 vezes. Mas estudos demonstram que mais de 400 MIL pessoas morreram na pandemia diretamente por sua culpa. E vão continuar morrendo, com a nova cepa que surge e sua tentativa de nos transformar no paraíso dos negacionistas. Então fiquei em paz com minha fé, o perdoei todas as vezes que Jesus mandou. Não tenho culpa dele errar milhares de vezes a mais. Que vá para o inferno encher o saco do diabo – embora eu creia firmemente que ele lá terá privilégios…
Quando eu era criança, achava que Papai Noel era Jesus que tinha envelhecido e engordado. Fazia sentido, pois juntava as figuras mais presentes na data. E até hoje me pergunto se não seria, mesmo. Ressuscitou, não morria mais, engordou, por fastio acabou indo à Rússia e, velhinho, distribuía presentes. Só um Jesus para estar no mundo todo ao mesmo tempo! E ele vive aparecendo na minha vida. Por exemplo, num shopping entrou atrás de mim no elevador, meio afogueado, com um hálito levemente peculiar e começou a tirar a roupa:
-Papai Noel, se o senhor ficar pelado aqui vai me traumatizar pelo resto da vida!
Num outro shopping, saiu do banheiro um Noel cambaleante, totalmente bêbado, deixando lá dentro, igualmente embriagado mas caído no chão, um Homem Aranha. Ou seja, alcoolismo parece ser um problema recorrente entre essa nobre classe trabalhadora.
Também soube de um caso em que um desses bravos profissionais resolveu visitar a amante. Saiu mais cedo do trabalho e não perdeu tempo mudando de roupa, foi direto. Ao chegar, estavam em casa o marido e os filhos da boa senhora. Resultado: teve que ficar meia hora ouvindo os pedidos dos filhos que, ao que parece, eram crianças excepcionalmente chatas e, ao fim, ainda tomou uma surra do marido, criatura sem muito amor cristão.
Outro, esse sendo amigo meu, foi convencido a ser o Papai Noel da festa de uns colegas de trabalho. Mais de 1.80, magro que nem um varapau e careca. A única justificativa dada para sua escolha foi a calvície, que “ajudaria a dar autenticidade à peruca”. Como esta não ficava no lugar, a grudaram com fita dupla face por dentro. Para a barriga, dois edredons de solteiro enrolados. Ficou uma figura triste, parecia uma maçã do amor no meio do palito. Mas era o que havia, e lá foi ele.
Seria num condomínio, entrou sorrateiro pela porta dos fundos, no quintal da casa, mas não contava que todos estivessem ali, à beira da piscina. Pensava em chegar, se ajeitar e ter uma entrada triunfal. Quando viu a multidão se assustou; estava fumando, o cigarro pegou um pedaço da barba, de matéria plástica, que não pegou fogo mas ficou imediatamente esturricada, preta à volta da boca, mantendo o cigarro grudado nela, meio dependurado. Usava óculos escuros – estava um sol de rachar, e bem a seu lado as crianças reunidas olharam assustadas aquela visão infernal. Uma delas, mais taludinha e decidida, ao ver aquele monstro não teve dúvidas: o empurrou para dentro da piscina. Caiu de cara na água, e aí o drama: o edredom encharcou, e ficou pesadíssimo. O saco, amarrado na mão, cheio de bolas de plástico, flutuava, e mantinha sua mão esquerda no alto. A direita ele abanava como um pombo aleijado, sem nenhum sucesso para ajudá-lo a sair da piscina. A gargalhada foi geral, até que alguém um pouquinho mais observador notou que ele tinha um fôlego excepcional… Foi um Deus nos acuda, todos mergulhando para salvá-lo – coisa não muito fácil com 7 ou 8 pares de braços bem intencionados mas sem nenhum comando central. Acabaram conseguindo retirar o coitado, que ficou traumatizado até hoje, assim como as crianças, que não só não acreditaram mais como passaram a fazer xixi nas calças à simples menção do barbudinho.
Numa coluna anterior falei da reação da nossa brava classe média a um Papai Noel negro numa loja. Diferentemente dos citados, não estava bêbado, não era mal ajambrado, muito pelo contrário: era bem apessoado e simpático. Mas não existe Papai Noel preto… Nem super herói gay, nada assim! No Rio Grande do Sul metade do estado segue um papai azul claro, por conta das questões futebolísticas, e ninguém reclama. Mas preto ou gay, aí é querer demais!
Então chegamos ao natal torcendo pela chegada do bom velhinho, vestido de vermelho, barbudo, e sem um dedo.
Epa, me entusiasmei, desculpem.
O fato é que estamos comemorando o nascimento de um judeu palestino, refugiado, pobre, que andava com os vida torta, que gostava de um vinho, que tinha um pai espetacular que o aceitou e amou independentemente de onde ele vinha, que foi morto pelo pessoal da religião instituída, que nunca lhe perdoou as bordoadas que deu expulsando os vendilhões.
Fizeram-no o Deus dos vencedores, louro, forte e bonitão. Ouvi dizer que andam construindo um monumento, um enorme buraco de agulha, por onde passarão montados em camelos os que enriquecem com seu nome, sob os aplausos dos que nada têm e nada entenderam.
Feliz Natal!
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Ricardo Dias
Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.
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