Por Benedito Mariano e Ana Lucia Sanches*
Nos últimos anos vem crescendo nas redes sociais a proliferação de discurso de ódio e a disseminação de mensagens de violência nas escolas, culminando com os atos bárbaros e covardes em São Paulo e em Blumenau que levaram a morte de crianças e de uma professora, criando uma onda de medo na sociedade, e, em especial, nos pais e professores. Não é coincidência que a disseminação de discurso de ódio e ataques às escolas cresceram justamente quando um governo irresponsável e fascista teve, durante quatro anos, uma política de liberação geral de armas de fogo, em especial, através da vulgarização dos CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores), levando ao aumento absurdo de cerca de 1 milhão de armas de fogo no país, muitas delas, vale ressaltar, acabaram por contribuir para o aumento do poder de fogo das milícias e outras modalidades do crime organizado.
O presidente Lula, corretamente, anulou todos os decretos que facilitavam o acesso a armas de fogo e determinou o recadastramento dos CACs, e, recentemente, o Ministério da Justiça criou uma diretoria de crimes cibernéticos na Polícia Federal. Através de portaria, também foram criadas medidas de enfrentamento a vinculação de conteúdos que fazem apologia a violência e ameaças as escolas, estabelecendo -se multa de 12 milhões as Plataformas de rede social que não tomarem medidas que impeçam a circulação desses perfis criminosos, podendo inclusive, serem banidas, caso não se adequem a determinação. Esta nova modalidade de crime representa um dos maiores desafios da segurança pública no país, razão pela qual a nova diretoria de crimes cibernéticos da PF tem que se transformar na principal unidade da polícia da União.
No Estado de São Paulo, o governador Tarcísio anunciou algumas medidas para enfrentar a violência nas escolas: contratação de 1000 vigilantes privados, que trabalharão desarmadas nas escolas, 550 psicólogos para atendimento semanal, aplicativo no 190, para responder as ocorrências nas escolas e reforço das rondas escolares, num investimento de 240 milhões de reais.O Estado de São Paulo conta hoje na rede estadual de educação com 5.664 mil escolas e um universo de 3.673.080 de alunos ( dados do CENSO/INEP.2021). Mesmo considerando que são medidas reativas, elas contribuem com a sensação de segurança nas escolas.
Mas a principal e urgente medida que deveria ser adotada de forma prioritária pelo governador do Estado de São Paulo é a criação de uma grande Diretoria de Crimes Cibernéticos na Polícia Civil para, articulada com as 70 Seccionais da polícia judiciaria e investigativa, ter uma atuação estruturada de inteligência policial contra os grupos e perfis neonazistas que disseminam violência e propagam ataques nas escolas. Uma delegacia de crimes cibernéticos, por melhor que seja, não dá conta sozinha de mapear, investigar e reprimir estes grupos que atuam na rede social e monitorar permanentemente as plataformas onde eles atuam. Na verdade, todos os governadores dos Estados e do DF deveriam criar nas suas Polícias Civis Diretorias de Crimes Cibernéticos, estabelecendo trocas de informações com a diretoria da Polícia Federal por meio de uma atuação integrada de inteligência.
Merece maior atenção dos governantes, porque não é uma medida reativa, o papel das políticas de prevenção das dinâmicas de violência, que, vale dizer, afetam não apenas o ambiente escolar, mas toda a sociedade .É evidente que os casos recentes de violência nas escolas criam um sentimento de tensão e medo na sociedade, mas as respostas do poder público à essas violências não podem se limitar a ações reativas, que ,por mais que possam indicar, momentaneamente, alívio aos anseios por justiça e segurança, não dão conta de resolver o problema e atuar sobre as raízes mais profundas das violências. As maiores violências contra crianças e adolescentes acontecem no ambiente familiar e não nas escolas.
Em Diadema, a prevenção a violência nas escolas é uma prioridade. O programa da secretaria de educação “Escola que Protege” tem entre suas ações: atendimento presencial de assistentes sociais, psicólogos e psicopedagogos para famílias e estudantes, sistema de monitoramento de frequência escolar e enfrentamento ao “bullyng”, que se somam ao monitoramento por câmeras nas 60 unidades da rede municipal de educação, 24 horas por dia. O monitoramento é feito pela Guarda Civil Municipal, desde dezembro de 2022, e, além de contribuir para o aumento da sensação de segurança, inibe furtos e roubos na região das escolas. Para fortalecer ainda mais o monitoramento por câmeras nas escolas, Diadema estuda implementação de um aplicativo que permita a comunicação direta entre servidores da rede escolar municipal e a central integrada de monitoramento, em emergências. Somado a isso, o município irá ampliar e qualificar as rondas escolares, sempre sob a perspectiva de uma atuação comunitária e preventiva da Guarda Civil Municipal.
Como forma de fortalecimento das estratégias de prevenção, neste mês de abril, vamos somar ao trabalho “Escola que Protege” a criação do Observatório de Segurança Escolar, programa Inter secretarial envolvendo as secretarias municipais de educação, segurança cidadã, esporte, cultura e assistência social.
O Observatório de Segurança Escolar tem como premissa integrar o poder público com representantes da sociedade civil para a construção de espaço de diálogo, reflexão e discussão sobre a realidade de cada escola da rede escolar e fortalecer a cultura de paz nas escolas, que só é possível de ser construída com o envolvimento da comunidade escolar e seu entorno. Este Observatório de Segurança Escolar, que será num fórum permanente, reunirá pais, professores, alunos, lideranças comunitárias dos territórios, que serão convidados a serem coautores do processo de construção de políticas de prevenção a violência nas escolas, em parceria com as secretarias sociais.
Portanto, o Observatório de Segurança Escolar será um programa territorial e participativo, que terá uma escola municipal como Ponto Focal em cada uma das quatro regiões da Cidade, para as reuniões mensais. São objetivos matriciais do Observatório:
1. Realizar diagnóstico aprofundado sobre a realidade das unidades escolares e das dinâmicas de violência;
2. Fortalecer o exercício ativo da cidadania e as redes locais e de solidariedade;
3. Propor medidas, ações e projetos que visem diminuir os fatores de risco da violência;
4. Propiciar a Integração dos diversos projetos em desenvolvimento na cidade, que dialogam com a rede municipal de educação e atuam sobre as dinâmicas da violência, na perspectiva de uma governança participativa;
5. Aumentar o fluxo de informações sobre serviços, programas e articulação entre poder público municipal e a população que frequenta as escolas e seu entorno.
A partir destes objetivos gerais, o Observatório de Segurança Escolar, que inicia se em 20 de abril, terá como atividades estruturantes:
1. Elaborar relatórios com o diagnóstico da realidade local de cada escola, através do levantamento de dados de violência, situação socioeconômica e vulnerabilidade sociais, para facilitar o diálogo e escuta dos múltiplos atores envolvidos no cotidiano escolar e que subsidiem a elaboração de novas políticas públicas de prevenção e promoção de cultura de paz;
2. Contribuir para ampliação da Ronda Escolar, em diálogo com o corpo docente e discente, em toda rede municipal de educação, orientando e formando os guardas civis municipais como agentes de mediação de conflitos e estabelecendo vínculos de confiança com a comunidade escolar;
3. Realizar e promover campanhas e eventos, tanto para o público infantil, em idade escolar, quanto para o público adulto, que visem a conscientização sobre a violência escolar e seus principais geradores e divulgação de estratégias para a prevenção da violência e a construção de um ambiente mais acolhedor nas escolas, baseados na cultura de paz;
4. Realizar atividades de mediação de conflito, envolvendo pais, docentes e comunidade do entorno das escolas, visando a resolução de pequenos conflitos pelo diálogo, fortalecendo laços comunitários;
5. Promover atividades culturais pedagógicas, a serem realizadas junto aos alunos da rede escolar, que permitam reflexão acerca dos fatores geradores da violência e da importância da solidariedade e acolhimento no ambiente escolar;
6. Realizar Rodas de Conversas, com a presença de especialistas, com temáticas relacionadas a violência escolar, e orientação a pais e mães sobre temas como bullying nas escolas, cuidados no uso de rede social por parte de jovens e crianças, prevenindo sobre perfis de grupos que disseminam discurso de ódio e apologia à violência;
7. Realizar encaminhamento a Polícia Civil, para que monitore os grupos e comunidades da rede social, com caráter neonazista e ou que realizem a propagação de discurso de ódio e de conteúdos apologéticos à violência.
As políticas de prevenção a violência nas escolas só se tornam eficazes quando forem Inter secretarial, transversais e participativas, porque a violência é multicausal. Portanto, é imperativo que as políticas públicas sejam estruturadas de maneira integrada com a comunidade escolar e seu entorno, que de fato conhecem a realidade e suas necessidades. Nos EUA, os Estados que limitaram a política de enfrentamento a violência nas escolas exclusivamente na segurança armada e instalação de equipamentos que restringem acesso as escolas, paradoxalmente, foram os Estados em que triplicaram os casos de ataques nas escolas.
A construção de uma cultura de paz nas escolas é um processo coletivo e permanente, em que a comunidade escolar e seu entorno são protagonistas, junto com o poder público, na construção de uma escola segura e um território em que a solidariedade seja antídoto a disseminação de ódio e violência. Este é o propósito do Observatório de Segurança Escolar de Diadema.
O artigo foi publicado originalmente no jornal Estadão.
*Ana Lucia Sanches é Doutora em Educação pela PUC-SP. Secretaria da Educação de Diadema, Coordenadora do GT de Educação do Consórcio do Grande ABC.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Benedito Mariano
Sociólogo. Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, ex-Ouvidor da Polícia de São Paulo. Membro Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. É coordenador do Núcleo de Segurança Pública na Democracia do IREE e Secretário de Segurança Cidadã da Cidade de Diadema
Leia também

Lançamento do livro de Segurança Pública do IREE em Belo Horizonte
Continue lendo...
Livro de Segurança do IREE é lançado em Diadema-SP
Continue lendo...
O SUSP e o PRONASCI: Desafios para implementação de uma Política Nacional de Segurança Pública
Continue lendo...