Para que(m) serve um Banco Central Independente? – IREE

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Para que(m) serve um Banco Central Independente?

Juliane Furno

Juliane Furno
Economista-Chefe do IREE



Recentemente o Senado Federal votou e aprovou o PL de autoria do Senador Plínio Valério, do PSDB, que versa sobre a proposta de autonomia formal do Banco Central do Brasil. Independência e autonomia são questões distintas, é verdade.

É verdade, também, que pela proposta aprovada, o Conselho Monetário Nacional (CMN) seguirá fixando a meta de inflação, submetido a representantes indicados pelo Governo Federal.

Em que pese isso, a principal argumentação ensejada para a aprovação do texto no Senado, se aproxima na prática de uma proposta de independência, uma que passa a haver uma separação entre o ciclo da Política Institucional, celebrada no mandato do Presidente da República, do ciclo da consecução do mandato da Autoridade Monetária.

Dessa forma, se o tema aprovado no Senado for sancionado, o Presidente da República indicará o nome do Presidente e Diretores do Banco Central. No entanto, eles só exercerão seus mandatos no último ano da gestão da Presidência da República. Além disso os mandatos serão fixos, de 4 anos, o que blindará os indivíduos a frente da instituição, de serem exonerados por motivos meramente políticos.

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As justificativas para tal são diversas. A primeira delas repousa em uma correlação positiva – no mínimo superficial – entre países que têm Bancos Centrais independentes e a preservação do valor da moeda. Assim, países que têm um BC independente – logo, que são guiados apenas por critérios técnicos – apresentam níveis de inflação mais baixos.

Bom, atualmente o Brasil está com o nível de inflação previsto para 2020 abaixo do centro da meta, quem dirá no teto dela. Ou seja, o nível de inflação depende de diversas outras variáveis que não unicamente o preço do dinheiro ou a taxa de juros.

Outra justificativa apresentada para a independência repousa na percepção de que, dessa forma, os diretores do Banco ficariam “blindados” de coerção política dos mandatários do Executivo Federal, já que sem mandatos fixos, eles podem ser facilmente exonerados dos seus cargos. Para os defensores da independência do BC, se os diretores forem eleitos pelos políticos eles ficam submetidos aos seus interesses eleitoreiros, como por exemplo adotar uma política de redução do desemprego com possíveis riscos em outras dimensões econômicas.

Esse tipo de discussão não é nova e enseja um amplo debate sobre a tendência liberalizante que circunda nosso país desde fins dos anos 1980, e que apregoa que o poder político é por excelência uma esfera do profano e do corrupto, enquanto o mercado representa o sagrado e incorruptível. Dessa forma, quanto mais as decisões de política econômica são relegadas aos “técnicos” em detrimento dos políticos e seus representantes, mais ela seria exercida nos plenos conformes dos ditames macroeconômicos.

Portanto, os interesses da população brasileira seriam melhor preservados passando ao largo de interesses políticos e sendo exercidos apenas levando em consideração critérios “técnicos”. Ocorre que não existe nada em política econômica que seja “neutro”, puramente “técnico” ou que represente o “bem comum” para todos os brasileiros porque vivemos em uma sociedade capitalista e, portanto, dividida em classes sociais. Políticas de redução das desigualdades sociais, por exemplo, terão – necessariamente – que ocorrer às custas do descontentamento dos grupos mais abastados.

A política monetária é uma das principais políticas no rol da política econômica. Ela é um instrumento para a definição de uma das variáveis mais importantes que diz respeito à atividade econômica, ao emprego e à inflação, que é a taxa de juros.

Um Banco Central independente poderia operar uma política de elevação dos juros em meio a uma recessão econômica por critérios “técnicos”, por exemplo, em contrariedade a uma proposta política ganha nas urnas que tivesse como sustentáculo a elevação do investimento e do consumo. Assim, nosso poder democrático de escolher um caminho de política econômica referendado no voto ficará constrangido por um Banco que opera em pouca sintonia com o Presidente da República.

Além disso, não existe espaço vazio na política. Se o Banco Central for independente do Estado, ele será dependente de algum outro grupo social, sendo mais facilmente capturado pelos interesses do setor financeiro.

No Brasil, por exemplo, quem regula a concorrência interbancária é o BC, e não o CADE. Assim, se o Banco Central for capturado pelos interesses do setor financeiro, dificilmente ele operará política de ampliação da concorrência interbancária ou redução dos spreads, por exemplo. É a raposa cuidado do galinheiro. O Banco Central funciona como uma agência que regula os demais bancos, oferta crédito, fiscaliza e também intervém. Ou seja, precisa de independência, no entanto, a independência com relação aos seus “fiscalizados”.

Para finalizar, nessa semana de ataque frontal às mulheres, relembro aqui uma grande economista dos nossos tempos: Maria da Conceição Tavares, que uma vez foi perguntada por jornalistas no Programa Roda Viva sobre o que ela pensava a respeito da independência do Banco Central. Tavares foi categórica e sua resposta foi a devolução da pergunta: Independência do Banco Central de quem?



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Juliane Furno

É Economista-Chefe do IREE. Cientista social, mestre e doutora em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia da Unicamp. Especialista em mercado de trabalho, desenvolvimento econômico e política industrial no setor de Petróleo e Gás.

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