Por Samantha Maia
O seminário “A Previdência precisa de Reforma?”, organizado pelo Instituto Democratize com apoio do IREE, teve início na terça-feira, 18 de junho, com mesa de abertura formada pelo diretor do Democratize, Guilherme Boulos, o presidente do IREE, Walfrido Warde, e o curador do evento, o economista Marco Antonio Rocha.
Confira aqui também a cobertura do segundo dia.
Em sua breve apresentação, Boulos falou sobre a proposta do Instituto Democratize, que nasce com o intuito de ser um espaço para se pensar um projeto de futuro para o país.
Ele explicou que a pergunta tema do primeiro evento organizado pelo Instituto Democratize é uma provocação sobre o consenso criado em torno da Reforma da Previdência. “Queremos trazer o debate que não se construiu sobre caminhos para a Previdência Social”, disse Boulos.
Para Rocha, o evento mostra que existem alternativas que não são consideradas no debate em torno da proposta do governo federal. “O projeto colocado como única opção é parte de uma agenda de desmonte da seguridade social”, afirmou o professor da Unicamp.
Warde falou sobre porque para o IREE é importante apoiar um evento como este. “É preciso pensar de forma criativa para mudar a maneira de produzir e distribuir riquezas na sociedade”, disse Warde.
O primeiro dia do seminário contou com a participação dos economistas Eduardo Fagnani, Esther Dweck, Luiz Gonzaga Belluzzo, Pedro Paulo Zahluth e do ex-ministro da Previdência Carlos Gabas.
O fechamento do dia teve a participação especial do chileno Mario Villanueva, um dos fundadores da Coordenação dos Trabalhadores Nacional do No+AFP, movimento que luta pelo fim do sistema gerido pelas Administradoras de Fundo de Pensão (AFP) no Chile e pelo retorno da seguridade social.
A Previdência precisa de Reforma?
Os especialistas reunidos no evento apontaram a existência de dois modelos em debate no Brasil. Um é a continuidade do sistema de seguridade social, em que a aposentadoria é resultado de uma contribuição tripartite (trabalhadores, empresas e Estado) e cujo benefício futuro é definido previamente. As contribuições previdenciárias hoje integram um fundo público que garante além da aposentadoria, pensões e auxílio aos cidadãos.
O outro modelo é a adoção de um novo sistema que pode ser chamado de “individualista”, em que a aposentadoria é resultado das contribuições do trabalhador e o valor a ser recebido depende do que foi poupado.
Para os palestrantes, a proposta de Reforma da Previdência em trâmite no Congresso está a caminho do segundo modelo e pode significar o fim da seguridade social no Brasil.
“Estamos diante da destruição da seguridade social sob o argumento de que as demandas sociais não cabem no orçamento”, disse Fagnani, que é pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (CESIT).
Fagnani acaba de escrever o livro “Previdência: o debate desonesto”, que deve ser lançado em agosto, onde ele destrincha o que chamou de “falsas verdades” que têm pautado o debate sobre a Reforma da Previdência.
Esther Dweck chamou atenção para o impacto da seguridade social no crescimento econômico. “A Previdência deve garantir renda em época de crise”, defendeu ela. Segundo a professora da UFRJ, a sustentabilidade do sistema de previdência social precisa vir de alternativas de financiamento além da renda do trabalhador, como a tributação de setores mais ricos da sociedade.
Na mesma linha, Belluzzo explicou que a essência da seguridade social não é contributiva. “A sociedade oferece ao indivíduo possibilidade de viver dignamente. Não dá para olhar só como uma questão contábil.”
Belluzzo reforçou que o ganho de credibilidade, que os defensores do projeto de Reforma da Previdência afirmam que viria com medidas de ajuste fiscal, não fará a economia crescer. “É o gasto que cria a renda, e a renda que gera o crescimento.”
Reforma solidária
Para o ex-ministro da Previdência, Carlos Gabas, o sistema precisa de reforma por conta do desequilíbrio trazido pelas mudanças demográficas e do mercado de trabalho, com a tendência de haver cada vez mais aposentados e menos contribuintes.
No entanto, Gabas defende o dever de proteção social do Estado. “A atual reforma proposta representa um ajuste fiscal que desmonta o modelo solidário e coloca a conta nas costas do trabalhador”, afirmou.
Pedro Zahluth citou alguns exemplos de medidas que deveriam ser enfrentadas em uma reforma alternativa, que ele chamou de “Reforma solidária”. Entre elas estão a volta da taxação de lucros e dividendos, o fim de renúncias fiscais de contribuição com a seguridade, a recuperação do estoque de dívida ativa (que hoje chega a quase 500 bilhões de reais) e o enfrentamento da queda de formalização do trabalho.
“O problema não é fiscal. É uma escolha entre diferentes modelos. No individualista, os riscos são transferidos para o indivíduo, enquanto no de proteção social os riscos são compartilhados”, disse Zahluth.
A negativa experiência chilena
Segundo Mario Villanueva, que lidera o movimento contra o sistema privado de Previdência do Chile, os argumentos em defesa deste modelo na sua implementação eram a necessidade de ajuste fiscal do Estado e o desenvolvimento do mercado de capital no país.
Ele explicou que no Chile o sistema funciona da seguinte forma: em vez de colocar a sua contribuição num fundo público como no Brasil, o cidadão chileno deposita em um poupança individual, administrada por empresas privadas que investem no mercado financeiro. Não há contribuições do Estado, nem dos empregadores.
Os primeiros aposentados começam agora a conhecer os resultados: 90% recebem menos que o equivalente a 700 reais, pouco mais da metade do salário mínimo chileno.
“A seguridade social é muito mais do que as aposentadorias. É distribuição de renda, compensação de desigualdades”, defende.
Segundo Villanueva, para o sistema proporcionar um retorno satisfatório, o cidadão precisa contribuir por 40 anos. Hoje apenas metade da população consegue atingir esse tempo. Em média, os homens chilenos contribuem por 17,9 anos e as mulheres por 12,7 anos. “Hoje quem se aposenta no Chile fica pobre”, disse Villanueva.
Desde a privatização da Previdência no Chile, houve concentração do mercado de seguro de vida, de 21 empresas em 1994 para 6 empresas em 2019. “Foi o setor financeiro que mais se beneficiou do sistema chileno de Previdência”, disse Villanueva.
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