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Os segredos que levaram a China a se tornar a “Fábrica Mundial”

Por Dapeng CHEN*

Com a maior capacidade atual de fabricação e produção, a China tem recebido a fama de “Fábrica Mundial” e se tornado uma potência manufatureira em busca de inovação. Desde 2010, o tamanho do valor agregado de manufatura da China ocupa o primeiro lugar no mundo por 11 anos consecutivos, representando quase 30% do total global.

A China possui a maior produção de mais de 40% dos 500 principais produtos industriais. Além disso, destacando-se no desenvolvimento de alta qualidade, a manufatura de alta tecnologia agora representa cerca de 15% do valor agregado de todo o setor industrial. Durante a conferência para celebrar o 40º aniversário da reforma e abertura, em dezembro de 2018, o Presidente Xi Jinping afirmou que a China precisou de décadas para alcançar o mesmo nível de industrialização que os países desenvolvidos levaram séculos.

Como a China se tornou a “Fábrica Mundial”? Este ensaio tem como objetivo desvendar três aspectos importantes que fornecem insights para o desenvolvimento de alta qualidade do setor manufatureiro chinês.

Em primeiro lugar, a China utiliza e cultiva ativamente “vantagens comparativas dinâmicas”. No início da reforma e abertura, o país aproveitou seus baixos custos de mão-de-obra e terra, bem como infraestrutura de qualidade, para atrair investimentos estrangeiros e competitividade internacional estabelecida em indústrias intensivas em mão-de-obra e de capital. Vale ressaltar que a abertura da China é caracterizada por um processo “progressivo”, com “zonas piloto” criadas para testar e experimentar novas políticas, a fim de promover a abertura e, ao mesmo tempo, abordar riscos potenciais.

Como pioneira na atração de investimentos estrangeiros, a área do Delta do Rio das Pérolas, onde Guangzhou e Shenzhen se localizam, utilizou uma quantia de US$ 20 bilhões de capital estrangeiro durante 1980-1993, dos quais o setor manufatureiro representava 70%, sendo a maioria indústrias de mão-de-obra de baixa intensidade, como eletrônicos, vestuário, brinquedos, produtos metálicos e plásticos.

O Delta do Rio das Pérolas tornou-se uma base de fabricação para Hong Kong, formando um padrão para “loja na frente, fábrica nos fundos”. Ao mesmo tempo, a China sempre cultivou vantagens comparativas novas e dinâmicas, aprendendo e inovando, o que promove a atualização industrial para alcançar um status mais elevado na hierarquia de valor agregado.

As empresas nacionais continuam aprendendo com as estrangeiras, unindo-se a suas cadeias de suprimentos. Por exemplo, a JMPT, uma das principais fabricantes de componentes automotivos, era apenas uma produtora de brinquedos e velas de decoração quando foi criada. Em 1988, quando a Volkswagen estabeleceu linhas de produção para montar carros Santana em Xangai e procurava fornecedores locais de componentes automotivos, a JMPT aproveitou a oportunidade para ingressar na cadeia de suprimentos do Santana. A JMPT importou equipamentos e máquinas fabricados na Alemanha para produzir para-choques, com apoio tecnológico de especialistas alemães. Em 1997, a JMPT havia se transformado em um fornecedor líder de para-choques para a Volkswagen, a BMW, a GM e a Mercedes-Benz. Durante o processo, as empresas nacionais não só tiveram acesso a tecnologias avançadas e mercado global, mas também desenvolveram novas filosofias de gestão e de conscientização da marca.

Em segundo lugar, a China estabeleceu um quadro político onde o governo e o mercado unem forças para promover os negócios. Por um lado, os mecanismos de mercado são plenamente respeitados com concorrência justa e crescimento orientado à inovação, o que leva à compatibilidade do planejamento top-down e incentivos de entidades do mercado.

A China tem promovido constantemente a transformação do setor estatal e ativado a vitalidade do setor privado, aprofundando as reformas do mercado de fatores e removendo todos os tipos de obstáculos que levam à má alocação de recursos. Durante o processo, o espírito de empreendedorismo tem sido enfatizado. O então primeiro-ministro Zhu Rongji disse uma vez que equipamentos e tecnologias podem ser comprados facilmente, mas os empreendedores são difíceis de cultivar. O incentivo e a proteção dos empreendedores, especialmente no setor privado, aprimoraram suas motivações para ampliar investimentos, otimizar operações e explorar mercados globais.

Por outro lado, o governo desempenha um papel favorável e instrutivo na construção de infraestruturas confiáveis, na promoção de sinergias industriais, na regulação dos comportamentos de mercado e no controle de potenciais riscos. Por exemplo, o governo chinês investiu de forma pesada e preventiva em infraestrutura e indústrias básicas, como diz o slogan, “primeiro construa estradas para ganhar fortunas”.

Desde a fundação da República Popular da China, em 1949, a infraestrutura e as indústrias básicas foram consideradas como a principal prioridade da recuperação econômica nacional. Com a reforma e abertura, a infraestrutura e os sistemas industriais básicos têm sido continuamente melhorados, estabelecendo bases sólidas para o rápido crescimento das indústrias manufatureiras.

De acordo com o Bureau of Statistics, de 1979 a 2007, o investimento em indústrias básicas e infraestrutura representou 38,4% do investimento social total no mesmo período, com uma taxa média de crescimento anual de 19,9%, 4,2 pontos percentuais acima da taxa média anual de crescimento do PIB. Ao mesmo tempo, o governo se esforçou para enfrentar todos os tipos de ineficiências de mercado e promover o desenvolvimento de alta qualidade das indústrias manufatureira, utilizando a vantagem institucional de “realizar missões importantes com poderes unidos”.

Por exemplo, o investimento estrangeiro na manufatura foi resultado tanto das forças de mercado quanto da orientação governamental. De fato, durante 1979-1984, o investimento estrangeiro em Guangzhou e Shenzhen se concentrou em hotéis, turismo e instalações de entretenimento. Essas indústrias apresentaram retornos rápidos e notáveis aos investidores estrangeiros com requisitos relativamente baixos para investimento de capital e inovações tecnológicas.

Em 1986, o Conselho de Estado anunciou “22 regras para atrair investimentos estrangeiros”, com o objetivo de melhorar o ambiente de negócios para as empresas de manufatura. Em 1992, o então líder chinês Deng Xiaoping observou que Guangdong deveria se esforçar para superar os “Quatro Tigres Asiáticos” (República da Coreia, Cingapura, regiões chinesas de Taiwan e Hong Kong) em vinte anos, cujo crescimento dependia significativamente do sucesso da manufatura. Só então os investidores estrangeiros, principalmente de Hong Kong, começaram a investir pesadamente em fábricas orientadas à exportação na China continental.

Outro exemplo é que os empréstimos garantidos pelo governo forneceram à JMPT fundos necessários para a compra de equipamentos alemães quando a empresa decidiu produzir para-choques para a Volkswagen. Além disso, a China manteve a estabilidade de seu sistema econômico e financeiro através de medidas prudentes de macrocontrole. O governo conseguiu mitigar riscos associados a vários choques, tanto domésticos quanto no exterior, como as ondas de falência de pequenos SOEs na década de 1990, a pressão dos empréstimos não realizados pelos bancos por volta de 2000, o impacto negativo da Crise Financeira Asiática de 1998 e da Crise Financeira Global de 2008, que garantiu o desenvolvimento estável e saudável da indústria manufatureira.

Em terceiro lugar, a China tem doações pró-manufatura e um ambiente internacional relativamente favorável. A abundante força de trabalho de alta qualidade é vital para o boom manufatureiro da China. Desde a reforma e abertura, um grande número de mão-de-obra foi liberado do setor agrícola na área rural para o setor manufatureiro nas cidades. Esse “dividendo demográfico” significa baixo custo de mão-de-obra para as empresas manufatureiras. E a força de trabalho tem sido de alta qualidade graças a um conjunto de ações para melhorar a saúde e a educação das pessoas desde 1949.

A partir de 1982, a expectativa de vida subiu de 35 anos para 68 anos (desde 1949) e a taxa de analfabetismo foi reduzida de 80% para 22,8%. Desde a reforma e abertura, a qualidade da mão-de-obra foi melhorada, com o “dividendo demográfico” se transformando em “dividendo de recursos humanos”.

Além disso, a propriedade pública da terra facilita a rápida conversão do uso dela, por exemplo, da agricultura e das terras residenciais aos locais de fabricação, o que promove a alocação eficiente de recursos terrestres. E por muito tempo, os preços das terras industriais têm sido significativamente mais baixos do que os de terras residenciais e comerciais. Os governos locais competem entre si para atrair investimentos com preços de terras com desconto, reduzindo os custos de terra das empresas de fabricação.

Ao mesmo tempo, a China desfruta de um ambiente internacional favorável. O surgimento de novas tecnologias representadas pela tecnologia da informação aumenta o grau de modularidade no processo produtivo, o que significa que diferentes elos de produção podem ser concluídos em diferentes locais antes que todos esses módulos sejam integrados aos bens finais e entregues aos consumidores finais. Isso permite a divisão vertical do trabalho na cadeia global de suprimentos e na cadeia de valor global, ajudando a China a aproveitar plenamente seus baixos custos de fator e dominar os elos de fabricação.

O aprofundamento da globalização também oferece uma oportunidade para a fusão da China no mercado global. Após a Segunda Guerra Mundial, entrou em vigor uma série de acordos bilaterais e multilaterais de livre comércio (FTAs), reduzindo as barreiras do comércio internacional e do investimento. Com compromissos de abrir seu próprio mercado, os produtos manufaturados chineses entraram no mercado global e “Made in China” tornou-se um símbolo de “boa qualidade com preços de barganha”.

Olhando para o futuro, com uma nova rodada de revolução industrial se desenrolando, a China não está poupando esforços para aproveitar a nova oportunidade e otimizar o quadro político para a reestruturação do setor manufatureiro. A experiência do desenvolvimento manufatureiro chinês também pode fornecer insights úteis para outras economias emergentes na nova era.

 

* Dapeng CHEN é Doutor em economia pela Universidade de Tsinghua em 2019. Atualmente é pesquisador da Academia Chinesa de Pesquisa Macroeconômica. Suas áreas de pesquisa abrangem finanças corporativas, finanças internacionais, Iniciativa Belt and Road e acordos de livre comércio. Publicou mais de 10 artigos acadêmicos em revistas chinesas importantes, como Revisão internacional de economia, China Soft Science e Nankai Management Review. Contato: derekdchen@outlook.com 



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