Quando se lida com o humor rola uma frustração de base: ninguém vai ler um texto nosso e correr à rua para tomar a Bastilha. Camille Desmoulins escrevia seus manifestos e a população pensava: Hummm, esse cara manda bem… Vambora derrubar a Bastilha?
Nos anos 60, o deputado Marcio Moreira Alves fez um discurso na Câmara. Nenhuma piada, nenhuma gracinha, NADA. Por causa daquilo a ditadura resolveu editar o AI5.
Textos de humor não costumam gerar consequências, a não ser para seus autores, e ainda assim… Por exemplo, o pessoal d’O Pasquim foi em cana. Millôr, aliás, dizia: -Nós, humoristas, temos importância suficiente para sermos presos, nenhuma para sermos soltos. Bem, os presos políticos narram tragédias, sofrimento, atos de bravura. Os humoristas cantavam com os guardas. Houve um caso que um sargento pediu para Sergio Cabral (pai) segurar sua metralhadora enquanto ele, guarda, tocava violão… Ou seja, até quando são vítimas a coisa é na base da esculhambação. Seus prejuízos, muitos, não contam. Não têm importância, não são pessoas sérias.
Pensando nisso, fiquei matutando aqui: como escrever um texto que mude a situação em que estamos hoje? Desde que, claro, não redunde em prisão para mim… Sim, pois não tenho apetite para ser preso, tenho profundo orgulho de minha covardia. Na ditadura eu sonhava em escrever para o citado Pasquim. Consegui ver uma colaboração minha ser impressa e, num timing perfeito, no dia seguinte houve a notícia: os colaboradores da imprensa alternativa seriam fichados pelo DOPS. Passei alguns dias sem pregar o olho, até que vi que não iria dar em nada. O fato, inclusive, me serviu como distintivo, não deixava de mencionar quando convinha. Me dava uma aura de importância e destemor; falsa, mas bem agradável.
Não poderia me comparar, por exemplo, ao repórter que em 1984 ouviu em Brasília o General Newton Cruz lhe mandar calar a boca. Eu fico imaginando o gosto amargo que lhe subiu para manter a compostura que faltou ao general. Foi profissional, frio, digno. Mas os exemplos que dei foram todos de ditaduras, seja do rei de França, seja da redentora aqui no Brasil. Agora uma repórter – mulher, como gostam nossos governantes – recebeu em Guaratinguetá o mesmo tratamento que seu colega 37 anos atrás. Na CPI, o Dr. Pedro Hallal diz que sua esposa teve seu carro perseguido. Isso remete a Zuzu Angel, cujo carro, perseguido pela repressão, bateu, causando a morte da estilista que lutava pela verdade sobre o filho.
Uma pequena pausa, me veio uma frase, baseada no versículo favorito de Brasília: Conheceremos a Verdade e a Verdade vos aprisionará.
Então vivemos um momento curioso. O ditador Geisel dizia que vivíamos naquela época uma “democracia relativa”. Acho que temos mais um paralelo com os dias de hoje, quando alguns servidores federais que discordam de seus chefes são perseguidos. Temos o direito à liberdade de expressão assegurado pela Constituição. Mas quem assegura A Constituição? Os políticos, em sua imensa maioria, tratamos como jogadores de futebol: hoje aplaudimos, estão jogando no nosso time; amanhã eles mudam de clube e fazem gol na gente. Mas JAMAIS devemos demonizar o futebol em si! Esse discurso de antipolítica só serve a ditaduras. A hora é de atacar os políticos que merecem e defender a política; a hora é de atacar os juízes que merecem e defender a justiça. O Congresso, o Supremo, são muito mais relevantes que as pessoas que os ocupam. Voltando ao futebol, os jogadores passam, os clubes ficam.
Só resta, já que me falta a solenidade necessária, tentar fazer rir. Como ninguém vai sair pela rua cantando alonzanfãdelapatrí depois de me ler, valorizemos os palhaços. Há alguns anos escrevi que, como falo muita besteira, me chamam disso, com frequência. Declino da honraria, ser palhaço é coisa séria. Respeito profundamente cada um que recebe uma torta na cara para me alegrar, para fazer meu dia mais suportável, para fazer a torta de verdade que chega no meu rosto doer menos. Quando era criança, meu primeiríssimo ídolo foi o Carequinha. Mas talvez mais importante que ele tenha sido Fred, o palhaço que fazia a escada para este brilhar. O Fred era a essência do que é ser palhaço, ser desimportante o suficiente para o outro fazer rir. É dessa “desimportância” que vem minha admiração por eles. Tomam a tal torta na cara, apanham, caem de bunda, não têm a menor dignidade ou importância. São vira-latas. Nunca ficam com a moça bonita. Jamais se vestem bem. Não comem do bom e do melhor. Não são bonitões nem sarados. Ninguém se levanta para eles sentarem. Mas nenhum banqueiro, juiz do Supremo, presidente da República, estafeta ou amanuense é digno de lustrar seus sapatões 58.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Ricardo Dias
Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.
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