Por Samantha Maia
O primeiro painel do evento Impactos da Lava Jato, organizado em parceira pelo IREE e pela Trevisan Escola de Negócios, contou com a participação dos advogados e coordenadores científicos do evento Walfrido Warde e Pierpaolo Cruz Bottini, dos jornalistas Maria Carolina Trevisan e Reinaldo Azevedo, e de Guilherme Boulos.
O evento reuniu especialistas para debater os efeitos, os desafios e o futuro da maior operação anticorrupção do País para um público de 400 pessoas em São Paulo no dia 25 de novembro.
Carolina Trevisan, colunista do UOL/Universa especializada em Direitos Humanos, moderou a mesa e lançou perguntas aos demais convidados.
Para Boulos, combate à corrupção serve ao jogo político
Questionado se haveria aspectos positivos na Lava Jato e como deveria ser o combate à corrupção, Guilherme Boulos falou sobre como o combate à corrupção tem servido, ao longo da história brasileira, ao enfrentamento político. Como exemplos, citou a campanha udenista contra Getúlio Vargas, o golpe contra Juscelino Kubitschek e o golpe militar de 1964.
“Todos tiveram a questão da corrupção como central. É muito curioso como essas repetições na história brasileira acontecem com governos que em algum momento tomam políticas de impacto mais popular”, disse Boulos.
No caso da Lava Jato, segundo ele, também houve instrumentalização do combate à corrupção para fazer jogo político, o que fez com que a operação fosse decisiva para os resultados eleitorais de 2018.
“Isso não quer dizer que o combate à corrupção não deva ser central para a sociedade”, disse. Boulos citou três pontos que considera importantes para que haja um combate estrutural à corrupção no país: uma maior abertura do Estado para a participação da sociedade, o combate à promiscuidade entre o setor público e privado na gestão de negócios e o financiamento de campanha essencialmente público.
“Acredito que com isso a gente começa a falar do combate estrutural à corrupção e não apenas de forma espetacular e personalizada”, concluiu o diretor do Instituto Democratize.
Veja a apresentação de Guilherme Boulos aqui.
Reinaldo Azevedo: “O bolsonarismo é a expressão política da Lava Jato”
Para Reinaldo Azevedo, não é possível ignorar a seletividade dos vazamentos de informações da Lava Jato por agentes público, assim como o papel da imprensa ao abraçar essa narrativa. “É claro que a imprensa sabe quando está publicando vazamento feito por procurador, juiz, e sabe que esse vazamento é seletivo”, disse.
Azevedo brincou com fato de que hoje é citado pela esquerda, e diz que é possível ser ao mesmo tempo conservador e crítico da Lava Jato. “Eu era defensor do impeachment da Dilma, mas sou crítico da Lava Jato desde 2014 e me opus à beatificação do juiz Sergio Moro”, disse.
Segundo o jornalista, as mensagens reveladas pela Vaza Jato, que mostraram uma indistinção entre o acusador e o juiz, além da atuação política, apenas provaram que suas críticas eram fundamentadas.
“Eu me sinto de certo modo recompensado porque os desvios da Lava Jato, que eu comecei apontar em 2014, estavam nos diálogos que vieram a público. Sempre chamei o Sérgio Moro como real coordenador da Lava Jato.”
Para Azevedo, o bolsonarismo é a expressão política da Lava Jato.
“Sem Lava Jato não existiria bolsonarismo, e hoje o real representante da extrema direita no Brasil é Sérgio Moro, de uma extrema direita que não segue o ordenamento legal. Eu vejo uma degeneração de parte da democracia a partir sempre da nossa condescendência, da imprensa que aderiu a esse ponto de vista da Lava Jato sem se atentar para essa degeneração da qualidade democrática.”
Azevedo ressaltou que defende o combate à corrupção desde que dentro da lei.
Veja a apresentação de Reinaldo Azevedo aqui.
Warde: “Empresas foram destruídas, enquanto seus dirigentes permaneceram ricos e livres”
O presidente do IREE, Walfrido Warde, chamou atenção para a importância de se calcular as consequências econômicas no planejamento do combate à corrupção. “A concepção de um modelo de combate à corrupção pressupõe o cálculo de consequências para os agentes econômicos, para as empresas e, sobretudo, para os trabalhadores.”
Warde lembrou que, em 2015, ele e outros dois juristas, Gilberto Bercovici e José Francisco Siqueira Neto, advertiram sobre o impacto mortal da Lava Jato para o mercado de infraestrutura brasileiro.
“Propusemos um plano de salvamento para o mercado de infraestrutura e apresentamos a todas as pastas ministeriais. Sabíamos que as empresas estavam fadadas à extinção, e com elas todo o subsistema econômico do qual dependiam milhões de pessoas diretamente e muitos milhões de pessoas indiretamente.”
Segundo Warde, o Brasil não estava preparado, e ainda não está, para proteger as empresas enquanto punia seus dirigentes e administradores.
“Nós não fomos capazes de distinguir as organizações empresariais que podiam ser transformadas na sua cultura de corrupção para uma cultura de integridade. Até hoje não temos um modelo capaz de transpor crises de reputação que possam ser deflagradas por escândalos de corrupção. Ainda estamos vulneráveis ao efeito colateral adverso do combate à corrupção puramente repressivo que não mede consequências.”
O advogado citou os obstáculos enfrentados pelas empresas para fechar acordos de leniência, desde a dificuldade de ter um acordo que pudesse salvar a todas dentro da crise sistêmica, até a existência de diversos órgãos responsáveis pelos acordos, o que gerou uma competição por protagonismo institucional.
“Quando uma empresa se resolvia com o Ministério Público, tinha problema com a CGU. Se havia problema concorrencial, o Cade estava envolvido. Se era uma companhia aberta, tinha que falar com a CVM, e se fosse instituição financeira, também com o Banco Central. Ao fim de tudo isso, o TCU não concordava com os valores de indenização e multas e ameaçava rescindir as leniências celebradas aqui, ali e acolá”, disse Warde.
O resultado, destacou Warde, foi a destruição de empresas, enquanto seus dirigentes permaneceram ricos e, ao tempo, livres.
Veja a apresentação de Walfrido Warde aqui.
Tribunais consentiram com desvios da Lava Jato, diz Pierpaolo Bottini
O professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini, que viveu a Lava Jato como advogado de defesa, destacou os marcos da operação.
A lei de lavagem de dinheiro, de 2012, e as leis das organizações criminosas e anticorrupção, de 2013, compõem o marco legal. Já o marco institucional, segundo Bottini, foi o ganho de autonomia da Polícia Federal e do Ministério Público durante o governo Dilma.
“As novas leis não são ruins pelo que elas trouxeram, mas pelas lacunas que elas deixaram de regulamentar, que permitiu os desvios”, disse ele.
Para Bottini, os desvios na Lava Jato não são fruto apenas da atuação política de um juiz ou do Ministério Público. “Isso existe aos montes no País. O que houve foi um uso deturpado desses novos institutos, o uso estratégico da imprensa e uma leniência dos tribunais.”
Segundo o professor da USP, a Lava Jato não teria a abrangência que teve sem o consentimento dos tribunais com desvios que, mais tarde, eles vieram a combater.
“É importante falar que houve uma compactuação do STF por um determinado período. Em um primeiro momento, quando deu uma abrangência e intangibilidade para as delações premiadas. O STF decidiu que terceiros, ou seja, os delatados, não podiam questionar judicialmente o teor do acordo de delação premiada. O STF também criou a prisão em segunda instância, em 2016. E até o final de 2016, o STF não questionou as conduções coercitivas, manteve uma série de prisões preventivas sem fundamento. Tudo isso deu um conforto a juízes e procuradores para agir da forma com que agiram”, disse.
A partir de um determinado momento, observa o advogado, essas ações voltam a ser questionadas e o STF passa a reparar excessos da Lava Jato.
“Quando o chefe da Lava Jato vai para o Ministério da Justiça, a imprensa também começa a perceber que talvez as coisas não sejam tão claras assim. Deixa de existir a dicotomia entre mocinhos e bandidos.”
Para Bottini, a Lava Jato trouxe uma grande insegurança para mundo jurídico. “Hoje temos uma insegurança jurídica brutal. Na medida que os tribunais vão e vem na interpretação dos mecanismos de combate à corrupção, a gente perde a referência”, disse.
O advogado defende que haja uma orientação mais clara dos tribunais e que o cumprimento das leis não seja visto como um ato de ousadia.
Veja a apresentação de Pierpaolo Cruz Bottini aqui.
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