Os desafios para a garantia da cidadania das mulheres – IREE

Análises e Editorial

Os desafios para a garantia da cidadania das mulheres

Por Samantha Maia

A viralização do discurso misógino de um influenciador digital, que ameaçou mulheres que expuseram a sua intolerância, ainda estava recente quando assistimos a uma nova manifestação de ódio às mulheres, com destaque às transexuais, na tribuna da Câmara dos Deputados em pleno Dia Internacional das Mulheres.

Guardadas as diferenças de espaço de poder e representação, os dois personagens que atacam mulheres, o coach de machismo Thiago Schutz e o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), o fazem defendendo determinadas qualidades que eles consideram serem apropriadas para a identidade de gênero feminina, o que constituiria uma “mulher de valor”. A transfobia e o machismo devem ser combatidos com o rigor da lei, como bem destacou o Presidente do IREE, Walfrido Warde, em pronunciamento ao público

A filósofa Djamila Ribeiro fez uma provocação em sua coluna mais recente para o jornal Folha de S.Paulo: “Quão iludido você está sobre a condição da mulher no Brasil?”. E destaca números inaceitáveis da nossa realidade, como “um feminicídio a cada sete horas, falta de proteção legal contra discursos de ódio, alienação parental, equipamentos públicos de proteção à mulher e crianças desmontados, estupros a cada 10 minutos de meninas e mulheres”. 

Os problemas que ameaçam a vida das mulheres no Brasil são gravíssimos, e o discurso misógino não deve ser subestimado. Em 2022, o Brasil bateu recorde de feminicídios, com crescimento de 5%, segundo levantamento do Monitor da Violência. Foram 1,4 mil mortes motivadas pelo gênero. Mato Grosso do Sul e Rondônia são os estados com o maior índice de homicídios de mulheres. Pelo 14º ano consecutivo, o Brasil é o país com mais mortes de pessoas trans e travestis no mundo, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Além da violência, as mulheres enfrentam desigualdades de gênero que limitam sua existência como cidadãs, como obstáculos de acesso ao mercado de trabalho, diferenças salariais, jornada dupla, falta de assistência à maternidade, limitação do direito de decisão sobre seu próprio corpo etc.

Segundo o Boletim Especial 8 de Março, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a maioria dos domicílios no Brasil hoje é chefiada por mulheres, mas elas lideram as taxas de desemprego, desalento e ganham menos que os homens. 

Na política, como o IREE destacou em sua publicação, há um avanço na participação das mulheres, tanto candidatas, quanto eleitas. O resultado é importante, mas ainda está longe de representar uma equidade nas relações. Considerando as mulheres eleitas em 2022, elas ocupam 7,4% dos governos estaduais, 14,8% do Senado, 17,7% da Câmara Federal e 18% das Assembleias Estaduais. No governo federal, com 11 ministras, o número de mulheres no primeiro escalão — quase 30% das pastas — é recorde na história da República. Os percentuais mostram como há espaço para avançar.

Em artigo para o jornal Valor Econômico, o professor Bruno Carazza destacou a falta de representatividade feminina em determinadas comissões permanentes da Câmara, principalmente nas que tratam de temas econômicos, como tributação, regulação e comércio exterior. No Grupo de Trabalho para analisar a Reforma Tributária, por exemplo, foram nomeados 13 deputados, todos do sexo masculino. “É inescapável suspeitar da imposição de barreiras à participação de mulheres nas comissões de maior relevância para a economia”, escreve Carazza.

É importante destacar que os quatro anos de governo Bolsonaro foram de grande retrocesso para as políticas voltadas às mulheres. Como mostra um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), “o Plano Plurianual (2020-2023) trouxe uma visão genérica sobre as mulheres, além de um explícito posicionamento contra os direitos sexuais e reprodutivos. Além das modificações na programação orçamentária, o governo oscilou entre baixa alocação ou baixa execução dos recursos”. Não é de se estranhar a piora dos resultados. 

Neste 8 de março, o governo Lula buscou marcar a diferença e anunciou um pacote de medidas capitaneadas pelo recriado Ministério das Mulheres. Dentre os destaques estão ações de enfrentamento à violência, de apoio à dignidade menstrual, incentivos à educação, esporte, cultura e pesquisa, e medidas de assistência à autonomia financeira do público feminino. É uma sinalização oportuna diante de um cenário que não permite esperar.

Os desafios para a garantia da vida e da cidadania das mulheres são grandes e dependem da defesa intransigente do respeito à dignidade das mulheres cis e trans, de recursos para a implementação de políticas públicas, e da determinação dos setores público e privado para fazer avançar uma agenda de igualdade e inclusão.



Por Samantha Maia

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