Com a aprovação do novo arcabouço fiscal, que substituiu o inoperante Teto de Gastos, o governo tem a tarefa de aumentar a arrecadação para cumprir a promessa de zerar o déficit fiscal em 2024. Como alertou a Diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, em entrevista para o IREE em maio, esse é o maior desafio do governo para o sucesso na execução da nova regra.
Isso porque o novo arcabouço, ao mesmo tempo que estabelece regras para o aumento de despesas vinculadas ao aumento da arrecadação, resgatou a validade do mínimo constitucional de gastos para as despesas de saúde e educação, além de estabelecer um valor mínimo de investimentos. Ou seja, o Estado terá que adaptar o seu nível de arrecadação às necessidades dessas despesas.
A conta para zerar o déficit fiscal em 2024 foi inicialmente prevista pelo Tesouro em R$ 162,4 bilhões a mais. A proposta de Orçamento de 2024 veio com uma previsão um pouco maior, de R$ 168 bilhões em novas receitas. O Ministério da Fazenda aposta em três medidas que incidem sobre os mais ricos para aumentar a arrecadação: a taxação de offshores, o voto de qualidade do CARF e a tributação dos fundos exclusivos.
Outras fontes de recursos relevantes são as transações tributárias, com uma previsão de R$ 42,1 bilhões, e a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que benefícios estaduais não podem ser abatidos de tributos federais, o que deve render R$ 35,3 bilhões a mais aos cofres públicos em 2024.
A taxação de empresas de apostas online que operam no Brasil, por sua vez, pode trazer R$ 700 milhões em arrecadação no ano que vem, valor que poderá crescer para R$ 6 bilhões a R$ 12 bilhões anuais no futuro.
Taxação de Offshores
O governo estima que a taxação de offshores, recursos mantidos por brasileiros no exterior, seja capaz de gerar uma arrecadação de R$ 7,05 bilhões em 2024, R$ 6,75 bilhões em 2025 e R$ 7,13 bilhões para 2026.
Ela foi inserida na mesma medida provisória que corrige a tabela do Imposto de Renda, publicada em abril e que vence no fim de agosto. Com a falta de perspectiva da Câmara analisar a proposta, ela acabou sendo inserida na medida de correção do salário mínimo, o que também não agradou a Presidência da Câmara.
A solução acordada entre governo e Congresso foi propor a taxação de offshores em um projeto de lei com urgência constitucional, que tranca a pauta após 45 dias. O projeto foi encaminhado pelo governo ao Congresso no dia 28 de agosto. Para compensar a correção do IR de pessoa física, passará a valer uma medida provisória para mudar as regras de tributação dos fundos exclusivos, que são fundos de investimento usados pelos super-ricos no Brasil.
Um investimento no exterior, seja uma conta bancária ou uma empresa constituída em outro país, normalmente para obter economia tributária nos chamados paraísos fiscais, locais de pouca transparência sobre as transações.
Tributação dos fundos exclusivos
O governo pretende arrecadar R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026 com uma alteração da tributação dos fundos exclusivos, conhecidos como “fundos dos super-ricos”. Cerca de R$ 3 bilhões poderiam ser arrecadados ainda em 2023. Para 2024, a expectativa é arrecadar até R$ 13,28 bilhões, R$ 3,51 bilhões em 2025 e R$ 3,86 bilhões em 2026.
Atualmente o pagamento de imposto ocorre apenas no resgate da aplicação, mas a nova MP deve determinar tributações periódicas. Uma forma é incentivando a atualização dos recursos aportados nos fundos com uma alíquota reduzida, de 10%, sobre o estoque de rendimentos acumulados nos últimos anos. Outra é, no caso do cotista que não optar pelo incentivo, haver a incidência de uma alíquota de 15% para fundos exclusivos com prazo de até 2 anos para regularizar a situação.
Voto de qualidade do Carf
O Ministério da Fazenda estima que a volta do voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) pode trazer uma arrecadação extra de R$ 54,7 bilhões aos cofres públicos em 2024. O CARF é um órgão federal, colegiado e paritário, formado por representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, que julga conflitos de natureza tributária e aduaneira.
O voto de qualidade definia que cabia aos presidentes dos colegiados – conselheiros representantes da Fazenda Nacional – o poder de desempatar as decisões do CARF. Ele foi extinto pelo governo Bolsonaro em 2020, o que na prática favoreceu as decisões a favor dos contribuintes.
Segundo Presidente do CARF, Carlos Higino, em evento do IREE com a Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região (EMAG/TRF3), o voto de qualidade tem efeito apenas sobre 20% das disputas julgadas do CARF, que são discussões jurídicas de grande complexidade. Sua função seria dar equilíbrio às decisões.
Houve uma tentativa frustrada de aprovar o voto de qualidade via medida provisória, que caducou no começo de junho. O governo enviou, então, um projeto de lei sobre o tema, aprovado na Câmara em 7 de julho e pelo Senado no dia 31 de agosto.
Taxação de empresas de aposta online
A regulação do mercado de apostas esportivas, em vigor desde 24 de julho pela publicação de uma Medida Provisória, foi aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 13 de setembro e aguarda análise do Senado. As empresas, que operaram praticamente sem regras desde 2018, passaram a ser taxadas em 18% sobre a receita obtida com todos os jogos após o pagamento dos prêmios aos jogadores e imposto de renda (IR) sobre a premiação.
Para 2024, a taxação de empresas de apostas online pode trazer R$ 700 milhões em arrecadação, mas previsões mais otimistas do Ministério da Fazenda indicam um potencial de arrecadação anual entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões.
*atualizado em 20/09/2023
Por Samantha Maia
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