O Brasil vive o loop da agenda da reforma eleitoral em seus mais diversos aspectos. A bola da vez é a PEC 135/2019 apresentada pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que propõe a impressão do voto, independente do meio empregado para a votação. Ou seja, não se trata da substituição da urna eletrônica, como defendem alguns bolsonaristas, mas de um mecanismo para criação da auditabilidade do voto.
Podemos elencar incontáveis motivos para argumentar o quanto a proposta é prejudicial à democracia brasileira. Começando pela motivação da proposta da deputada, que envolve a suspeição da lisura do pleito. Aliada fiel do presidente da República, Kicis endossa o coro bolsonarista, e do próprio Bolsonaro, de que a urna eletrônica não é segura.
Nenhum sistema de votação no mundo é infalível, mas o adotado pelo Brasil desde o pleito municipal de 1996 promove auditorias e testagens constantes da sua segurança. Além de criptografadas, os boletins de urna que acontecessem no dia do pleito, por exemplo, permitem que candidatos e partidos chequem a evolução da votação.
Algumas urnas são sorteadas e retiradas do local de origem para participar de uma simulação da votação. Sem falar que não há conexão online nas urnas, dificultando tentativas de hackeamento, entre outras medidas de segurança adotadas pelo TSE. Ou seja, o argumento da auditabilidade explicitado na PEC de Kicis é infundado.
Afora a suspeição, sem nenhuma prova, da segurança técnica da urna eletrônica, os resultados de implementação do voto impresso comprometeriam financeiramente o orçamento público. Estima-se que seriam necessários 2 bilhões de reais para a aquisição dos novos equipamentos. Em um contexto de pandemia, os custos podem ser ainda maiores.
O texto da PEC não é claro sobre o passo a passo da conferência do voto impresso pelo eleitor. É dito que o papel não ficaria na posse do mesmo, mas seria depositado em uma outra urna. O que não se sabe também é se um questionamento por erro de digitação, por exemplo, promoveria uma suspeição no voto. O eleitor poderia votar novamente? Também não se sabe como os analfabetos fariam a tal conferência.
A PEC 135/2019 é mais uma peça envolvendo o frequente questionamento das instituições democráticas pelo atual governo e aliados. Recentemente, vimos que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, utilizou a mesma estratégia pré-eleitoral ao prever sua derrota no pleito de 2020. Em diversas ocasiões sugeriu fraudes eleitorais e questionou a vitória da oposição.
Não por acaso Bolsonaro e seus aliados promovem a mesma narrativa em um momento de evidente crise de popularidade do presidente. Constroem antecipadamente o discurso para a potencial derrota em 2022, questionando desde já a validade do pleito.
Vale lembrar que uma simulação de voto impresso foi realizada em 6% das urnas eletrônicas na eleição de 2002, e o TSE considerou como catastrófica a experiencia. Ademais, em 2009 e 2015 o STF considerou inconstitucional duas outras tentativas similares realizadas pelo Congresso por violarem o sigilo do voto.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Carolina de Paula
É doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ, Diretora Executiva do DataIESP e consultora da UNESCO. Coordenou o "Iesp nas Eleições", plataforma multimídia de acompanhamento das eleições de 2018. Foi coordenadora da área qualitativa em instituto de pesquisa de opinião e big data, atuando em diversas campanhas eleitorais e pesquisas de mercado. Escreve mensalmente para o IREE.
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