O teto de gastos e a política do Estado Mínimo – IREE

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O teto de gastos e a política do Estado Mínimo

Por Samantha Maia

O debate econômico sobre o novo governo de Lula da Silva tem focado bastante na questão fiscal. A lei do Teto de Gastos impede que a próxima gestão cumpra uma série de promessas e chega a comprometer o funcionamento de serviços públicos, o que levou à aprovação no Congresso de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para permitir despesas adicionais de R$ 145 bilhões em 2023.

O próximo governo também se comprometeu a apresentar uma proposta de novo arcabouço fiscal no primeiro semestre de 2023, o que a oposição critica como uma tentativa de acabar com o Teto de Gastos. Desde que foi aprovada, em 2016, pelo governo de Michel Temer, a Lei do Teto de Gastos já foi alterada uma série de vezes para se adequar às necessidades do momento.

Na terça, dia 20 de dezembro de 2022, o IREE debateu o tema “Teto de Gastos e a Nova Regra Fiscal” com a economista e professora titular da FEA-USP Leda Paulani e o economista e professor da Unicamp Pedro Paulo Zahluth Bastos.  O diálogo, coordenado e mediado pelo economista e professor emérito da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo, teve como objetivo aprofundar o entendimento sobre o funcionamento do Estado e a gestão fiscal.

“Existe um pânico com o risco fiscal. É preciso ter uma discussão mais aprofundada, escapar das frases feitas e do caráter performático do discurso. Há economistas que acham que os números falam por si mesmos, esse positivismo é uma falsificação do conhecimento”, afirmou Belluzzo.

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Leda Paulani: O Orçamento Secreto é resultado do Teto de Gastos

Em sua apresentação, a economista Leda Paulani falou sobre como, desde os anos 1980, o debate econômico tem sido pautado por uma agenda “estranha e hostil ao desenvolvimento do Brasil”. “A gente tinha de fato um problema complicado, que era o descontrole monetário, que derivava do desequilíbrio externo, mas ele hoje nos afeta muito menos. Não temos mais a dívida externa e a estabilidade monetária nunca foi colocada em xeque desde o Plano Real”, destacou.

Neste contexto, Paulani criticou o discurso criado para a defesa do Teto de Gastos como algo novo que traria uma trajetória sustável da dívida e permitiria a economia crescer. “Já tínhamos a Regra de Ouro e a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o Teto de Gastos apareceu como se fosse a panacéia para todos os males”, disse.

A realidade escondida por trás desse discurso, segundo Paulani, é a de uma política afinada com a opção pelo Estado Mínimo. “O Teto de Gastos é afinado com a ‘Ponte para o Futuro’ do Temer, uma cartilha radicalizada dos princípios liberais. Existiu um golpe para a implantação de um programa liberal puro sangue no país”, afirmou a economista.

Paulani também destacou que, na prática, o Teto de Gastos levou ao descontrole das contas públicas. “O Teto de Gastos deu origem ao Orçamento Secreto, porque você tem que a todo momento furar o teto pelas mais variadas razões, e isso gera poder de barganha dos Congressistas sobre o Executivo. É uma tentativa de fazer com que o teto ainda vigore, mas ele não vigora mais, já tiveram cinco ou seis emendas que alteraram o Teto de Gastos desde 2019, entre elas a PEC dos Precatórios, a Emergencial e a Kamikaze.”

“As despesas discricionárias estão tomando o lugar das despesas obrigatórias. Questões de saúde pública estão dependendo de recursos destinados por emenda de relator, que dão margem para enriquecimento ilícito”, complementou Paulani.

Na avaliação da professora da FEA/USP, não é necessário buscar uma alternativa ao falido Teto de Gastos. “Mas se quiserem alterar o regime fiscal, no mínimo tem que ter metas em prazos mais longos, para não ficar prisioneiro de eventos episódicos, e não colocar na Constituição, para não erodir seu poder normativo”, disse ela.

Pedro Paulo Zahluth Bastos: Não existe capitalismo moderno sem dívida pública

Na sua apresentação, o economista Pedro Paulo Zahluth Bastos falou sobre o conceito de capitalismo e de social-democracia para chegar ao funcionamento do Estado moderno e da gestão fiscal. Ele explicou como a social-democracia é responsável por construir instituições que distribuem as riquezas concentradas pelo sistema capitalista por meio de funções sociais do Estado.

“Isso foi fundamental para sustentar o capitalismo a longo prazo, ao contrário, se a riqueza apenas se concentrasse, seria impossível sustentar esse sistema. A social-democracia é a solução que busca conciliar capitalismo e reprodução social. Isso faz com que o Estado passe a prover determinados bens e serviços e a reduzir riscos relacionados à doença, à velhice, à incapacitação, ao desemprego”, disse Zahluth.

Segundo o professor da Unicamp, existe uma tendência no capitalismo de ampliação do que é taxado e redistribuído pelo Estado. “No século XIX, esse gasto era abaixo de 3% do PIB na Inglaterra. Hoje, um país desenvolvido não tem menos que 30% do PIB sendo gasto pelo Estado. Na França, é 46%, nos países nórdicos, acima da metade. Essa é a tendência.”

Isso ocorre, segundo Zahluth, porque serviços oferecidos pelo Estado, como saúde e educação, têm uma inflação maior que a média, que é derrubada pelos preços industriais. “Então se você diz que o gasto público só tem que aumentar de acordo com a inflação, mas não leva em consideração que os principais serviços públicos aumentam acima da inflação e que os principais itens de gastos dos Estados modernos são pensão e aposentadoria, necessariamente você vai diminuir o tamanho do Estado ao longo do tempo, e esse era o objetivo”, disse o economista sobre a Lei do Teto de Gastos.

Outro objetivo do Teto de Gastos, avalia Zahluth, era acabar com a destinação mínima de recursos para saúde e educação e fazer com que o salário mínimo deixasse de ser o piso dos benefícios de pensão e previdência. “O que aconteceu é que a economia não cresceu como imaginado porque o financiamento do gasto não depende de uma poupança prévia”, pontuou o economista.

Zahluth destacou que não existe capitalismo moderno sem dívida pública. “Na economia capitalista, o dinheiro não vem de uma caixinha e o Estado não pode ser visto como uma casa. Uma casa não tem o Banco Central para sustentar a sua própria dívida e o seu gasto não é o principal fator que determina a evolução futura da sua própria receita, no caso as receitas tributárias”, finalizou o professor da Unicamp.

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