O Sensei, os Oxímoros e Hemingway – IREE

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O Sensei, os Oxímoros e Hemingway

Ricardo Dias

Ricardo Dias
É luthier, escritor e músico



Um amigo querido fez um curso de imersão de um fim de semana com o Sensei Uriu, grande mestre do Karatê. Um grupo grande, todos faixas-pretas. Treinaram os golpes, táticas, técnicas, conversaram, foi um período muito feliz, o Mestre era dos bons. Reunião de despedida, o chefão pede a palavra e pergunta para os discípulos:

-Se vocês forem atacados por 10 pessoas, o que fazem?

Um respondeu que usaria a tática tal, outro que usaria a técnica XPTO, um terceiro uma forma qualquer de ataque, um outro…

Sensei os interrompeu:

-Vocês não aprenderam NADA! Perdi meu tempo! Vocês não entenderam coisa nenhuma! Quando 10 pessoas te atacam, VOCÊ CORRE!

Conforme visto, o tema hoje é esportivo. Sempre tive uma relação esquizoide com o tema. Fui colocado na natação à força, e odiei; uma água fria, horrorosa. Botei o proverbial dedão do pé na água e desisti, para desespero de todos. Depois, seduzido pela conversa macia de meu pai, fui posto no judô.

O Sensei, os Oxímoros e Hemingway - esporte

Foto: Divulgação Ministério da Defesa

-É um esporte, uma filosofia, onde se usa a força do oponente para derrotá-lo!

Ora, isso cabia perfeitamente na MINHA filosofia de não fazer força jamais! Eu ficaria no bem-bom, o adversário se esfalfaria e eu o derrotaria sem nem uma gota de suor, sob aplausos da multidão em delírio! Fui ansioso para a primeira aula, todos da minha idade e menores que eu – sempre fui grande. Frouxo, mas grande. Veio a primeira luta, e não tive dificuldade em subjugar meu miúdo contemporâneo, o que fez o mestre me mudar de turma: em vez da idade, fiquei junto com os de meu tamanho, e aí perdeu a graça. Só apanhava. Cheguei à conclusão que eu devia ser um touro de forte, pois todo mundo me batia, deviam estar se aproveitando de minha força hercúlea. O fato é que a coisa perdeu toda a graça, fugi de lá. Agora, anos depois, assisto à competição de judô em Tóquio e vejo que fui enganado! É uma galera fazendo uma força desgraçada, nada de aproveitar coisa nenhuma! E ainda ficam segurando um a lapela do outro, que nem chato conversando.

Tentei o basquete, sem muito sucesso – o saudoso técnico Jorjão, um homem sensível, me deixou treinar, levado por amigos. Na primeira bola, para não deixá-la sair, tive que arremessar de costas. Ok. Na bola seguinte, acossado por um adversário que tinha uma vantagem injusta (ele SABIA jogar basquete, coisa que eu nunca soube), fiz a mesma jogada. Jorjão apitou forte:

-PRIIIIIIII!!!! Fora. Globetróti não é pra branco!

E acabou minha carreira no basquete. O vôlei, talvez, quem sabe? Sou alto – ou era, a média subiu muito – e no colégio havia muita gente jogando.

Primeiro, pela altura, me colocaram de cortador. Não tenho muita coordenação motora, o ato de pular, mover o braço para trás e virar para atacar a bola, antecipando a jogada de quem levantava – e este não era muito bom – significava me enroscar na rede e cair. Passei para levantador, mas era mais alto que os novos cortadores, então basicamente tinha que produzir uns oxímoros, levantando para baixo. Oxímoros e volleyball, decididamente, não combinam.

E teve o futebol, onde tive um pouco mais de sucesso – se é que não ser posto para fora é indicativo de sucesso. Também não fui posto para dentro, mas pelo menos eu sabia para que lado chutar.

Isso tudo, claro, por causa das Olimpíadas. Nunca tive o menor gosto em skate, e me peguei chorando por causa da Fadinha. Me pego discutindo se o juiz roubou quando não deu nota boa para aquela onda, se aquele twist foi carpado, se foi wasari ou ippon… lembrei de quando Guga fez sucesso, estava num supermercado, as TVs mostrando uma partida dele, e uma pequena multidão assistindo. De repente, um espectador gritou:

-Dá um back hand nele, Guga!

Esporte tem isso, em segundos a gente vira especialista. Mas essa olimpíada é estranha. Primeiro, não devia acontecer. Segundo, tem muita coisa envolvida no mero ato de torcer: eu nunca tinha entendido profundamente, ou prestado muita atenção, no texto atribuído a Hemingway:

– Quem estará nas trincheiras ao teu lado?
‐ E isso importa?
‐ Mais do que a própria guerra.

Até que me peguei selecionando por quem torceria nas Olimpíadas… Especialmente no vôlei, onde alguns jogadores fizeram o 17 com as mãos. Aí lembrei que nessa mesma seleção tem o Douglas, e o Douglas redime tudo e todos.

Torci em paz.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Ricardo Dias

Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.

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