O Salvador, o Porco e o Coxudo – IREE

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O Salvador, o Porco e o Coxudo

Ricardo Dias

Ricardo Dias
É luthier, escritor e músico



O nosso querido ministro da saúde declara, todo pimpão, que quer ser lembrado como a pessoa que acabou com a pandemia. De fato, ele ajuda a levar o vírus à saciedade, a pandemia certamente pode acabar por conta do fastio do Corona. Ou, caso eles consigam um sucesso ainda maior, por falta de gente. Ficarão ele e o capitão abraçados, orgulhosos, olhando aquele mar de corpos, até que este dirá:

-Lembra quando eu disse que não era coveiro?

-Lembro, sim senhor.

-Pois repito: não sou coveiro. Pega uma pá e enterra esse povo todo que já tá fedendo. E quando acabar, me serve um café. No copo.

E entra, pisando nos corpos de seus puxa sacos.

Uma imagem pesada, sem dúvida, mas não muito longe da verdade. Atribui-se ao querido camarada Stalin a frase “A morte de uma pessoa é uma tragédia; a de um milhão, uma estatística”. Seja lá quem tenha dito, é uma enorme verdade. O plantonista do Planalto não chegou ao milhão – ao menos no que tange à covid; se somarmos indígenas, sem-teto, desempregados, quem sabe? – mas se esforçou. E ainda há quem leve a sério a possibilidade de sua reeleição – ou a de Moro, seu patrocinador maior.

Moro… Já dizia Cicero: O tempora, o mores! querendo dizer que os tempos, os costumes, eram um cocô. Podemos facilmente trocar por O Tempora, O Moro! Que criatura curiosa essa, que o destino (ou o Demônio) marcou para mudar a história de nosso país. Um homem probo, que ganhou mais de 3 milhões de quem cuida de algumas das empresas que ele fez falir (imagine que uma pessoa destrói o seu carro. Perda total. Ela não se desculpa, não se oferece para pagar o prejuízo e se vangloria do malfeito mas, veja que coincidência, em seguida vai trabalhar numa oficina mecânica especializada em sinistros como o que ele gerou. E te cobra caro para consertar. E não conserta). Uma criatura que, além de eleger o pior presidente da história, levou o desemprego a milhares de pessoas e destruiu uma das indústrias mais poderosas do país. Uma proeza, poucas pessoas têm a capacidade de promover uma destruição tão impressionante.

E da mesma forma que Cicero, que ali começava um discurso onde denunciava a podridão de seu tempo, o meu trocadilho horroroso atribui ao ex juiz a maior parte da culpa pelo estado de coisas que vivemos hoje.

Falei dele na quinzena passada, falo nele hoje. Será uma obsessão? Será um mea culpa por, num primeiríssimo momento, ter achado que dali sairia algo de bom? Ou será que me cabe falar de amenidades e deixar as grandes questões pátrias a quem de direito? Então ok, falemos de amenidades! Um conto de fadas:

Era uma vez um rei. Ele era muito amado por 20% de seus súditos. Os outros 80% tinham cérebro. O bom rei vivia fazendo coisas para se integrar aos seus vassalos: comia que nem um suíno, sujando as mãos e emporcalhando tudo, supondo que era assim que os pobres comiam. Frequentemente saía em cavalgadas com seus amigos, para mostrar ao povo que ele, rei, era onipresente. Custava caro, afinal um rei tem custos, mas ele ia assim mesmo. Era bonito de se ver, um monte de homens, todos juntinhos, no exercício de sua impoluta masculinidade. Sim, o rei não era normalmente visto com mulheres. Defensor da masculinidade absoluta, não achava de bom tom a companhia feminina, nem mesmo a da rainha, com quem ele sequer passava as férias. Era uma pessoa de princípios!

Para agradar seu povo, adotou um corte de cabelo que lembrava um outro rei, de tempos passados. Adorador de filmes de caubói, não dava confiança para os “índios malvados”, não esquecia o exemplo de um seu outro ídolo, o General Custer, com quem aprendeu estratégia militar. Exemplo de atleta, exemplo de pessoa sadia, numa epidemia de piolhos que assolou o reino inovou, distribuindo remédios contra gripe. Infelizmente não funcionou, mas isso não abalou seus seguidores: quem gostava, continuou gostando. Eram fieis, bovinamente fieis. E continuou inovando: enquanto seus pares tinham diversos ministros e conselheiros e UM bobo da corte, ele fez o inverso: colocou palhaços em todos os cargos de importância, levando bom humor e alegria ao povo, tão sofrido!

Mas nem tudo eram flores em seu reinado… Houve dissidências, como o malvado bobo vizir que sonhava com um cargo eterno, que só não perdeu a cabeça por sorte. A lâmina da espada estava sem fio, compraram a munição de seu rifle de um calibre diferente, a forca era feita de uma corda sem qualidade, então ele escapou com vida, apenas um pouco mais bobo que antes.

Há rumores que seu reinado está para acabar: um outro postulante ao trono, que havia sido preso pelo bobo vizir, escapou, e dizem que ele trama contra o bom rei, malhando as coxas para dar-lhe um soberano pé na bunda.

Quem viver, verá. Ou melhor, SE alguém viver, verá.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Ricardo Dias

Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.

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