Ao que tudo indica, a grande agenda política deste segundo semestre será a Reforma Tributária.
As propostas começam a se desenhar. De um lado, o projeto da Câmara – de autoria de Baleia Rossi (MDB) e apoiado por Rodrigo Maia – que propõe a unificação de uma série de impostos no IBS (Imposto de Bens e Serviços). De outro, a proposta do governo Bolsonaro, que envolve um Imposto geral sobre transações financeiras.
O primeiro é inspirado no IVA (Imposto de Valor Agregado) formulado por Bernardo Appy e sua equipe. O segundo tem como inspiração o Imposto Único, de Marcos Cintra, atual secretário da Receita. O projeto que tramita no Senado é também uma versão do IVA.
Apesar das diferenças, ambos têm em comum o centro na simplificação tributária. São variações do mesmo tema.
É fato que a complexidade do sistema tributário brasileiro dificulta a atividade econômica e a transparência para os cidadãos. Cria mais burocracias e espaço para a sonegação. Precisa ser enfrentada, ainda que sem o fim de contribuições obrigatórias que asseguram investimentos para áreas sociais.
Por exemplo, as duas propostas envolvem o fim da Cofins, criada pela Constituição para financiar a Seguridade Social. Qual a garantia de que, com o IBS ou o Imposto Único, o mesmo recurso irá obrigatoriamente para a Seguridade?
Agora, o grande gargalo do nosso sistema tributário ainda não foi trazido à mesa. Ele não é a complexidade, mas sim a injustiça.
Um sistema tributário injusto
No Brasil, quem tem mais paga proporcionalmente bem menos e tem muito mais isenções fiscais. Isso não é exagero retórico. Estudo publicado neste ano sobre os dados do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) mostra que o sistema tributário aprofunda a desigualdade.
Os contribuintes foram divididos em 17 faixas de renda: as cinco primeiras (1 a 5) estão a baixo de 5 salários mínimos e as cinco últimas (13 a 17) acima de 60 salários mínimos, sendo a última acima de 320 salários mínimos. Nas faixas de 1 a 5 (mais pobres), apenas 30% da renda é isenta de impostos. Nas faixas de 13 a 17, a equação se inverte e 70% da renda declarada é isenta. A alíquota média de todos os rendimentos é de 5,8%. Na faixa 17, do seleto clube dos super-ricos, é de 2%.
Assim, o sistema tributário brasileiro funciona como uma máquina de concentrar renda. A razão básica desta distorção é uma estrutura que foca a cobrança de impostos na produção e no consumo, muito mais do que na renda, patrimônio e operações financeiras. 49,7% de tudo o que se arrecada vem do consumo, apenas 21% da renda e 4,4% de impostos sobre patrimônio.
Nos países da OCDE, a média é de 32,4% de tributação sobre consumo, 34% sobre a renda e 5,5% sobre o patrimônio. Bolsonaro e Guedes, com todo seu fetiche para sermos aceitos neste clube, deveriam ao menos inspirar-se na forma como seus participantes organizam a estrutura tributária.
Estrutura regressiva pune quem ganha menos
O imposto sobre consumo é essencialmente regressivo, isto é, tende a punir mais os que ganham menos, porque esses gastam praticamente todo seu rendimento no consumo de bens e serviços, ao contrário dos milionários, que podem dar-se ao luxo de poupar e investir.
Sem contar o caráter “pró-cíclico” da tributação centrada no consumo: a arrecadação cai proporcionalmente à atividade econômica nos momentos de crise, dificultando o papel do Estado de combate à crise com investimentos públicos.
Além disso, a distorção é produzida por mecanismos que facilitam a vida dos super-ricos. Um deles é a definição de alíquotas máximas muito a baixo do padrão internacional.
Vejamos o Imposto de Renda. A alíquota máxima é de 27,5%, que é aplicada para rendimentos acima de R$4.600, ou seja, é a mesma para um professor ou um médico e para um banqueiro ou um alto executivo que ganhem R$500 mil por mês. Neste caso, a alíquota máxima dos países da OCDE é, em média, 41% e mesmo na América Latina a média é 39,6%.
Qual a proposta do governo Bolsonaro na Reforma? Baixar para 25%…
Em relação ao patrimônio, poderíamos falar do imposto sobre heranças. No Brasil, a alíquota máxima é de 8%. Nos Estados Unidos é de 40% e no Japão, 55%.
Mas, não há nada mais escandaloso que a isenção de impostos sobre lucros e dividendos. São R$280 bilhões, em geral de gente muito rica, sem qualquer tipo de tributação. Esta brecha vergonhosa, aberta por FHC, tornou-se a forma como os ricos praticam elisão fiscal no Brasil, não pagando sequer o IRPF, já que a renda é mascarada por pejotização como “distribuição de lucros e dividendos”. Apenas Brasil e Estônia preservam esta excrescência, uma verdadeira mamata tributária.
Uma proposta alternativa de Reforma Tributária
É impressionante como o debate da Reforma Tributária começa deixando à margem a principal questão: a desigualdade. A simplificação deve entrar no debate e a proposta do IVA tem o mérito de eliminar a cumulatividade da tributação de bens e serviços.
Mas isso não pode significar o fim de contribuições atreladas a investimentos sociais. E muito menos servir de cortina de fumaça para esconder o debate da injustiça tributária.
Por isso, temos a responsabilidade de apresentar para a sociedade um projeto alternativo de Reforma Tributária, que incorpore pontos positivos da simplificação, mas tenha foco na progressividade, reduzindo impostos sobre produção e consumo e ampliando sobre a renda e patrimônio.
Seguem, ao fim, 8 propostas concretas para abrirmos o debate:
– Tributação de lucros e dividendos com alíquota de 20%;
– Criação de nova faixa do IRPF, com rendimentos acima de 25 salários mínimos e alíquota de 35%;
– Federalização e estabelecimento de alíquota progressiva do imposto sobre herança, de 2% a 40%;
– Revisão das desonerações fiscais, que hoje representam 5% do PIB (R$280 bilhões/ano), praticamente o dobro da média internacional;
– Redução do IRPJ para 25% com ampliação da base de incidência pelo corte significativo das desonerações empresariais;
– Criação de um Imposto Verde para indução da mudança de matriz energética;
– Regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição, e cobrança de IPVA de embarcações e aeronaves;
– Política nacional de combate à sonegação fiscal e evasão de divisas a Paraísos Fiscais.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Guilherme Boulos
É professor, diretor do Instituto Democratize e coordenador do MTST e da Frente Povo Sem Medo.
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