O que a POF tem a dizer sobre caminhos para o Brasil – IREE

Análises e Editorial

O que a POF tem a dizer sobre caminhos para o Brasil

A POF, Pesquisa de Orçamentos Familiares, é uma investigação amostral do IBGE sobre o padrão de consumo e gastos da população brasileira. Ela é realizada periodicamente desde 1988 em todo o território nacional. 

No começo de outubro, o IBGE divulgou o levantamento de 2017/2018. A POF mostrou que a família brasileira empobreceu nos nove anos que separam a atual pesquisa da anterior. Hoje há mais famílias que recebem abaixo de seis salários mínimos por mês (73%) que em 2008/2009, quando esse percentual era de 68,4%.

Como reflexo do mesmo fenômeno, houve aumento da desigualdade social no Brasil no período. O grupo que ganha acima de 25 salários mínimos por mês se tornou ainda mais seleto. Se há dez ano essas famílias representavam 3,81% da população brasileira, hoje são 2,67%. São 1,8 milhão de brasileiros que detêm 19,9% da renda no país.

Na outra ponta, temos 23,8% das famílias, ou 16,4 milhões de brasileiros, vivendo com menos de dois salários mínimos por mês, um rendimento mensal de até 1,9 mil reais. Há dez anos, esse grupo representava 21,6% da população.

Para além de um retrato da realidade dos brasileiros, e de seu uso para a construção das cestas de consumo dos índices de preços ao consumidor (IPCA e INPC), a POF pode ser um importante instrumento para se pensar políticas públicas. 

Ao trazer de forma bastante detalhada as características dos gastos da população, como, por exemplo, os itens de consumo que pesam mais no bolso dos mais pobres, a pesquisa sinaliza onde é importante o Estado atuar para combater a desigualdade.

Seguem alguns exemplos de temas que merecem atenção dos especialistas e agentes públicos.

Moradia: o desafio dos programas de habitação popular

De acordo com a POF, habitação é um item que pesa no bolso de todos os brasileiros, comprometendo em média 36,6% da renda das famílias. Estes valores incluem despesas com aluguel, condomínio, serviços e taxas, manutenção e limpeza, aquisição de mobiliários e eletrodomésticos. 

Mas o peso é maior quanto mais baixa é a renda das famílias. Os grupos que ganham até dois salários mínimos comprometem em média 39,2% da sua renda com habitação. No outro extremo, entre as famílias com rendimentos mais altos, o gasto pesa 22,6% no orçamento.  

Esses dados mostram que investimentos públicos em programas de moradia popular podem ter um impacto na redução da pobreza e, possivelmente, sobre a desigualdade. O desenvolvimento de políticas nessa área é um desafios para todas as esferas de governo e as soluções precisam ser integradas. 

A alocação de recursos para a construção de novas casas é importante, mas não é suficiente sem planejamento urbano. Pesquisadores do LabCidade mostram que o déficit habitacional na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, cresceu no mesmo período em que o “Minha Casa Minha Vida” entregou 123 mil unidades na região. 

Isso acontece porque, em uma lógica perversa, a própria disponibilização de crédito para a habitação popular contribui para o aumento dos preços dos terrenos, muito acima do crescimento da renda das famílias.

Se a questão do planejamento urbano ainda carece de solução, tampouco o país conta hoje com perspectivas positivas de investimento em moradia popular. Segundo previsão do governo federal, o Minha Casa Minha Vida terá em 2020 o menor orçamento da história do programa

Medicamentos: a importância dos subsídios

A pesquisa mostra também que os medicamentos pesam em especial sobre os gastos dos mais pobres com saúde. Entre as famílias que ganham até 2 salários mínimos, 70% dos gastos com saúde são destinados a remédios. 

No caso das famílias mais ricas, a despesa mais alta é com plano de saúde, responsável por 26% dos gastos desse grupo na área.

Os dados indicam que investir em programas de medicamentos subsidiados atende em proporção maior a necessidade da população mais vulnerável.  

Da mesma forma, os cortes observados mais recentemente no Farmácia Popular têm potencial de agravar ainda mais a miséria no país, principalmente na terceira idade. 

O consumo do pobre e a desigualdade da tributação

Segundo a POF, as famílias mais pobres destinam 93% de sua renda ao consumo, enquanto entre as mais as mais ricas, o consumo abocanha 66% dos rendimentos. 

Esses dados reforçam ainda mais a importância de se rever a estrutura regressiva da carga tributária no Brasil.A regressividade do sistema age contra os esforços de distribuição de renda, já que retira boa fatia dos valores gastos pelos pobres em tributos.

Ao onerar fortemente consumo e pouco a renda, e portanto taxar proporcionalmente mais os pobres que os ricos, o sistema tributário contribui para aprofundar a desigualdade social no país.

No Brasil, a participação da tributação sobre a renda é de 21%, menor que na média dos países da OCDE (34%) e que em países como os Estados Unidos (49%) e Noruega (39%). Já sobre o consumo, a participação é 49,7% no Brasil, contra 32% na média da OCDE.

A regressividade do sistema age contra os esforços de distribuição de renda, já que retira boa fatia dos valores gastos pelos pobres em tributos.

Essa discussão ainda passa ao largo, no entanto, do debate que existe sobre Reforma Tributária no Congresso, mais focada na simplificação do sistema.



Por Samantha Maia

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