Em novembro de 2015, 200 estudantes da Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, se uniram para protestar contra o racismo da reitoria. O que a reitoria fez? Nada, mas isso não importa. O que importa é que eles se sentiam oprimidos e queriam se manifestar. A esquerda pós-moderna não se preocupa com o conteúdo, o que realmente interessa é a forma. É o rebelde sem causa descrito pela banda Ultraje à Rigor nos anos 80, catalisado por doses cavalares de lacração.
No dia seguinte, um saco cheio de cocô de cachorro aparece na frente da porta do centro afro-cultural da universidade. Soaram as trombetas angelicais anunciando o Apocalipse: guerreiros da justiça social foram correndo para o Facebook para escrever textões contra aquela atitude racista, páginas a la “Quebrando o Tabu” fizeram a festa com suas críticas sociais de iPhone e os coletivos negro-LGBT-indígena-feminista-islâmico-e-demais-minorias gritaram aos quatro ventos: “Viram? Estávamos certos! A reitoria é racista!”.
Rapidamente, a polícia investigou o caso e descobriu o responsável – diferente da brasileira, a polícia americana tem muito mais liberdade e meios para investigar. Para a surpresa dos coletivos negros, que berraram e espernearam contra o suposto ato racista, ninguém foi preso. Isso porque, na verdade, quem deixou o saco foi uma menina cega que estava com um cão guia. Ela não conseguiu encontrar uma lata de lixo, então, querendo fazer a coisa certa, ela deixou na frente da porta para que um faxineiro encontrasse e jogasse no lixo.
Os militantes esquerdistas, com suas clássicas caras-de-pau envernizadas, se desculparam, mas logo arranjaram outra desculpa para atacar a reitoria: “os alunos com deficiência dessa universidade estão marginalizados!”. Sério, isso não é uma piada. Trocaram de causa mais rápido do que trocam seus (caros) sapatos. Na sociedade de hoje, os sentimentos transformam os fatos e as vítimas são heroínas. É, como bem diz Rodrigo Constantino, a marcha dos oprimidos.
De acordo com a esquerda, toda desigualdade do mundo é fruto da opressão. Em toda relação humana, há uma relação de poder que causa iniquidade. Todos os negros são vítimas porque sofrem racismo; as mulheres são reféns do patriarcado; gays, lésbicas e trans são vítimas de uma sociedade heteronormativa e homofóbica; terroristas islâmicos são vítimas da islamofobia; e por aí vai.
Mas e se você não tiver sido oprimido por ninguém? Não interessa. Para a esquerda, se você se sente uma vítima, você é uma vítima. Mesmo que você nunca tenha sofrido discriminação, você com certeza sofreu microagressões, que nada mais são que atitudes e frases que não são feitas para insultar, mas insultam. Afinal, vivemos num ambiente tão maçante que, mesmo quando somos oprimidos, não sentimos. É como sua respiração, tão natural que você nem percebe.
Por exemplo. Quando as coisas não vão bem e você diz: “a coisa tá preta”, você está sendo racista, afinal, está associando a cor preta a algo ruim. A mesma coisa acontece quando você diz “mercado negro”. Outro exemplo é a expressão “inveja branca”. Quer dizer que só porque ela é branca ela não faz mal a ninguém?
Quando você abre a porta do carro para uma mulher, você está sendo machista, porque isso significa que você acha que ela é um ser incapaz que não consegue nem abrir a porta de um carro. Quando você zoa um amigo dizendo que ele chorou como uma mulherzinha, você também está sendo machista, afinal, quem disse que chorar é coisa de mulher? Pagar a conta do encontro, então, machismo puro! Se você faz isso, quer dizer que você acha que mulher não consegue pagar as próprias contas.
E tem o mais novo tipo de racismo inventado pela esquerda, o racismo “positivo”. Para eles, eu, que sou um japonês, faço parte de uma “minoria modelo”. Eu tenho de me incomodar quando dizem que japonês estuda e é disciplinado, porque isso é um estereótipo que não só me ofende, mas inferioriza outras “raças”.
Educação, gentileza, cavalheirismo, bom senso não palavras que não estão no dicionário dessas esquerdas.No fim das contas, você só não é uma vítima se for homem, branco e hétero. Ou, como diz o Lula, um banqueiro branco do olho azul. Ah, você também não é vítima se discordar da esquerda, afinal, o Fernando Holiday, por exemplo, que é negro, gay, veio da periferia e é o vereador mais jovem da história da cidade de São Paulo, é chamado de “capitão do mato” e “negro da alma branca” por essa turminha da tolerância.
Só que essa galera “paz e amor” tem um truque para defender a própria incoerência e justificar a violência. Primeiro, eles dizem que não tem problema nenhum socar um fascista. Depois, dizem que todo liberal e conservador, ou, na verdade, todo mundo que discorda deles, é fascista. Pronto, todo mundo que discorda deles pode ser socado! Mas eles não defendem os direitos humanos? Claro que defendem. Só que fascistas não são humanos.
A verdade é que aqueles que inadvertidamente reproduzem todo esse chororô vitimista se baseiam em sentimentos, não em fatos. Você não é refém do meio em que vive ou daquele em que foi criado, você faz suas próprias escolhas. Não existe uma grande conspiração do patriarcado. De acordo com pesquisa da revista TIME, mulheres solteiras sem filhos ganham mais do que homens na mesma situação.
Também não há conspiração contra gays, segundo a mesma revista, casais gays, em média, recebem maiores salários do que casais héteros. Isso são fatos, e os fatos não se importam com os seus sentimentos. Quando você sair da faculdade, o seu patrão também não vai se importar com seus sentimentos. Ele vai querer que você produza. A vida não é um centro acadêmico: quando você se formar, vai ter de trabalhar, e muito.
A miríade de coletivos de esquerda não existe para defender direitos de gays, negros e mulheres. Existe para auxiliar projetos de poder. A verdadeira relação de opressão está entre o político populista que promove esse tipo de discurso e a pobre militância de esquerda, que vota em bloco nesses candidatos “ideológicos” acreditando fazer parte de uma elite intelectual politicamente consciente.
Todo o seu discurso vitimista não vai te ajudar quando você for pra vida real. Pelo contrário, vai te atrapalhar. Se sentiu ofendidinho? Ninguém se importa. Você só vai se ofender se você se deixar ofender. Se você escolher o vitimismo, você será vítima de você mesmo.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Kim Kataguiri
É deputado federal (DEM-SP) e líder do Movimento Brasil Livre (MBL). Foi colunista do IREE até novembro de 2018.
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