A sucessão de Angela Merkel no governo da Alemanha marcará o destino do país, da União Europeia e, numa boa medida, da democracia contemporânea. Neste mês de abril foram escolhidos os representantes do Partido Verde (cujo nome oficial é Bündnis 90/Die Grünen) e da coligação CSU-CDU, que se confrontarão nas eleições legislativas do mês de setembro para formar o novo governo.
Os Verdes escolheram Annalena Baerbock, enquanto a CSU-CDU, num processo mais laborioso, optou por Armin Laschet, líder da CDU (o partido de Angela Merkel), embora os eleitores conservadores preferissem Markus Söder, candidato da CSU.
Sondagens demonstram que os dois partidos disputam a liderança das eleições de setembro. Sucede que, desde janeiro a CSU-CDU está em queda, enquanto o Partido Verde mantém sua ascensão.
O movimento de tesoura se acentuou nas últimas semanas. Uma sondagem do último dia 20 de abril, feita após a escolha dos dois candidatos à chefia do governo, revelou que os Verdes obtém 28% dos votos, aparecendo pela primeira vez na frente da CSU-CDU (21% dos votos).
Realizada pelo Forsa, um dos principais institutos de pesquisa alemães, a sondagem mostra que os tradicionais dois grandes partidos do país, os sociais democratas (SPD) e a coligação CSU-CDU, perdem sufrágios em comparação aos resultados obtidos nas eleições gerais de 2017, enquanto os Verdes triplicam sua parte de votos, passando de 9% para 28% do contingente eleitoral.
Tais prognósticos indicam que Annalena Baerbock tem grandes chances de suceder a atual chefe do governo e que os Verdes ocuparão, muito certamente, uma parte substancial do novo ministério.
Desgastado por sua participação minoritária nos últimos dois governos de Angela Merkel, o SPD está decidido a não renovar o acordo governamental com a CSU-CDU. Desse modo, os Verdes poderão dar as cartas quando se iniciarem as negociações para formar o novo governo.
Após 15 anos na direção do país, Angela Merkel conserva uma alta popularidade na Alemanha e na Europa. No meio tempo, e sobretudo no pós-Brexit, a Alemanha se consolidou como potência hegemônica na União Europeia, origem de 66% das importações do país e destino de 59% de suas exportações.
Resta que a aliança entre a Alemanha e a França continuará sendo decisiva, não só pelo papel central dos dois países na construção da UE, como também pelo fato de Paris ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, guardar presença militar na África e dispor de uma rede de diplomacia global.
Logo depois da reunificação da Alemanha, em 1990, Henry Kissinger deu uma declaração que ficou célebre: “Pobre Alemanha, muito grande para a Europa, muito pequena para o mundo”. Nos 15 anos de governo de Angela Merkel a Alemanha encontrou o espaço que lhe cabe: promover a consolidação da União Europeia para garantir a influência mundial de Berlim.
Isto posto, como será um provável governo federal dirigido pelo Partido Verde?
Decerto, os Verdes já contam com considerável experiência política e administrativa, participando em 11 dos 16 governos regionais da Alemanha. Se ascenderem ao comando do país, a política ambiental terá, obviamente, um papel destaque.
Nesta área, aliás, nem tudo são flores na Alemanha de Merkel. Tendo abandonado a energia nuclear em 2011, depois da catástrofe de Fukushima, o governo alemão fechou suas usinas nucleares, estimulou as energias renováveis, mas tardou a encerrar as usinas a carvão.
Na circunstância, os Verdes pretendem fechar tais usinas, reduzir drasticamente a emissão de gás estufa e ampliar os estímulos governamentais às energias renováveis. No plano estratégico e militar, embora os Verdes se comprometam a permanecer na OTAN, seu programa defende o desarmamento nuclear e a redução da exportação de armas, acompanhada de um controle dessas exportações no âmbito da UE.
Mesmo restrito à Alemanha, o embargo da exportação de armas criará conflitos com a França, grande produtora e exportadora de armamentos, considerando que Paris não consegue fabricar mísseis ou blindados sem a contribuição da indústria alemã.
Na opinião da The Economist, os Verdes defenderão mais estímulo fiscal, tanto no plano nacional como na UE, estendendo também a mutualização das dívidas dos países da zona euro que Angela Merkel endossou, depois de muita hesitação, no fundo de 750 bilhões de euros criado em julho do ano passado para responder à crise econômica e sanitária europeia.
Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu e atual chefe do governo italiano, e, numa menor medida, Emmanuel Macron, presidente da França, também favorecem esse programa em seus respectivos países e na UE, dando maior base às eventuais iniciativas governamentais dos Verdes alemães.
Note-se que o Partido Verde francês (denominado Europe Écologie Les Verts) mostrou sua força política e eleitoral ao vencer as municipais do ano passado em Paris e em várias grandes cidades do país, posicionando-se em boas condições para as eleições presidenciais e legislativas que terão lugar entre abril e junho de 2022.
Neste contexto, a provável eleição de Annalena Baerbock na direção da quarta maior economia mundial e locomotiva da UE representará uma virada importante na gestão ambiental europeia na altura em que os Estados Unidos parecem, mais do que nunca, seguir na mesma direção.
Um provável alinhamento de planetas nos céus da América do Norte e da Europa formará um novo modelo econômico e social no horizonte pós-covid.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Luiz Felipe de Alencastro
É historiador e cientista político, professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV e professor emérito da Sorbonne Université.