O Palíndromo, as Coxas e o Feito nas Coxas – IREE

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O Palíndromo, as Coxas e o Feito nas Coxas

Ricardo Dias

Ricardo Dias
É luthier, escritor e músico



O imortal de direita que escreve n’O Globo (que lavreM aqui minha indisposição em nomeá-lo!) estabelece parâmetros para desacreditar as fotos da coxa de Lula. Essa imagem gerou furor nas redes, tirou do armário gente até então inimaginada, sendo que o citado (epa, citei?) articulista, não satisfeito, ainda se refere ao “bilau” presidencial. E, como dito, tenta desmerecer a foto, dizendo-a posada e, pior!, tirada por um profissional. Bem, a dos americanos com a bandeira em Iwo Jima também foi acusada de ser uma fraude, o que não a impediu de ser icônica – e de levantar o moral das tropas.

Pois até os antilulistas tiveram que comparar desfavoravelmente o mal ajambrado ocupante do Planalto com o coxudo e, segundo o colunista, bem-dotado ex-presidente, claramente feliz com a namorada. Não se vê no primeiro casal demonstrações de felicidade espontânea. Numa outra foto, o mal-acabado pega um violão e aponta como se fosse uma arma, enquanto Haddad aparece em outra tocando-o, estudante de violão clássico (minha área!), que é. E houve editorial considerando ser uma escolha difícil entre os dois.

Fotos, fotos… Tentando dar cloroquina para uma ema, dormindo de boca aberta no Congresso, batendo continência para a bandeira americana, o plantonista do cerrado nos fornece uma ampla e patética iconografia. Mas essa coluna é de cultura e humor, e nenhum dos dois quesitos combina com a criatura em questão. Sigamos, pois.

Quando era criança, na época da ditadura (da outra) resolveram fazer um grêmio estudantil na escola – cujo nome era o do pai do futuro ditador João Figueiredo, diga-se. Estávamos no admirável governo Medici. Ninguém sabia muito bem o que era aquilo, mas fizeram duas chapas: “Aquarius” e “Juventude e União”. Eu, na pureza de meus 10 anos, li no mural as propostas de um e de outro, e votei na segunda. A primeira ganhou por uma margem absurda, mais de 90%, creio. Não demorei para entender o motivo, conversando com os demais colegas: os nomes das chapas. “Aquarius” era um nome descolado, ao menos na época, e “Juventude e União” é um nome cretino, ainda hoje. Passei um bom tempo achando que o partido que mandava, ARENA, mandava por ser mais sonoro que MDB, a oposição. Talvez fosse o único critério em que fosse melhor, pensando bem.

 

O indigitado de olhos baixos, diante de Putin, e Lula às gargalhadas com Obama! Pronto, chega disso.

 

Mas esse episódio ficou marcado na minha cabeça. Quando votei pela primeira vez, o fiz pesando bem as possibilidades, e votei em Brizola. Hoje tenho uma visão mais crítica de nosso caudilho, mas foi um voto digno. Desde então continuei vendo as pessoas votando sem nenhum compromisso com nada mais sólido. Pelé fez uma declaração que seria sensata, não fosse feita num momento desastroso, pois se lutava por eleições livres: Brasileiro não sabe votar. Usaram a frase isolada, quando a completa era algo como: “Brasileiro não sabe votar: vota no tio do amigo ou no primo do vizinho.” Ainda vale, aliás. Mas também votam para arranjar uma boquinha, ou para matar índios…

 

Mais uma: o em exercício ignorado na reunião do G20, e Lula sendo acolhido pelo guarda chuva do Príncipe Philip. Eu sei, eu prometi, desculpem.

 

O sistema no qual dei meu primeiro voto seria a delícia de certas pessoas. O título de eleitor era um papel dobrado, com espaço quadriculado para, a cada eleição, ser carimbado. Você recebia uma cédula e entrava numa tenda verde oliva, escrevia o nome de quem receberia seu voto, botava uma cruz no quadradinho relativo ao cargo majoritário (para presidente ainda não podia) e depositava o papelucho na urna inviolável. Um sistema à prova de falhas. E lembro bem a luta pelas Diretas! O comício no Rio de Janeiro foi no dia de meu aniversário, e tive que ir ao centro fazer qualquer coisa. Quando saí, aquele mar de gente, e fiquei assuntando. Quis o destino que naquele exato momento o enorme Sobral Pinto estivesse discursando, e deu para ouvir pelos alto-falantes a voz daquela figurinha minúscula no palanque tão distante:

-Todo poder emana do povo e em seu nome deve de ser exercido!

Sim, dr Sobral tascou esse “de” no meio, que não me atrevo a retirar. E tive que ir embora com o coração quentinho, sabendo que a partir dali nada de errado aconteceria com nosso país. Tivéramos nossa cota de barbárie e ignorância, e esta seria varrida para, com o perdão do lugar comum, a lata de lixo da História.

Lamentavelmente varremos apenas para debaixo do tapete.

 

O indigitado fazendo arminha com uma criança no colo e a incitando a fazer o mesmo, e Brizola pulando uma fogueira de São João feita de armas de brinquedo, que crianças haviam trocado por livros.

 

Sim, eu prometi, mas vivemos em tempos de exceção.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Ricardo Dias

Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.

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