O movimento negro não pode ser cooptado pelo PT: uma resposta a Douglas Belchior – IREE

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O movimento negro não pode ser cooptado pelo PT: uma resposta a Douglas Belchior

Letícia Chagas

Letícia Chagas
Liderança do Movimento Estudantil



Na primeira semana de dezembro, uma das principais lideranças do movimento negro, Douglas Belchior, anunciou sua filiação ao Partido dos Trabalhadores (PT). A movimentação já era esperada desde que, em setembro, Belchior anunciou sua saída do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), alegando que o partido não reconhecia sua atuação e não incentivava sua candidatura. Desde então, ele tem realizado uma série de aproximações com o PT, realizando um ato de filiação ao partido no último dia 07/12 e publicando um artigo na Folha intitulado “Lula e Haddad”, em que defende a candidatura de Haddad para o governo de São Paulo.

Neste texto, busco contrapor-me ao discurso de Belchior a respeito da pauta racial e da luta partidária. É evidente que os diversos partidos de esquerda hoje no Brasil precisam muito progredir no que se refere à pauta racial, e isso não é uma necessidade apenas do PSOL. É justamente aí que residem as maiores contradições de Belchior na defesa da política do PT, de modo que sua filiação a tal partido parece ser fruto apenas de um cálculo eleitoral.

Isto porque, embora afirme que, diante de um partido branco e eurocêntrico, sua luta é pelo fortalecimento do movimento negro, o último artigo de Belchior publicado na Folha de São Paulo (“Lula e Haddad”) demonstra que ele está disposto a abrir mão de pautas essenciais do movimento negro em prol da defesa do PT.

O maior exemplo disso é que, ao defender a candidatura de Fernando Haddad para o governo de São Paulo, Belchior credita ao PT os avanços da pauta racial no Brasil, a exemplo da política de cotas. Embora afirme que isso se deu com “diálogo” com movimentos sociais, parece fazer isso apenas a título de informação, já que retira deles todo o protagonismo. Sabemos, entretanto, que foi a luta destes movimentos que forçou o PT a sancionar leis importantes, à exemplo da Lei 12.711/2012 e da Lei 10.639/2003. Prova disso é que, ao mesmo tempo em que aprovou essas legislações, o governo petista também sancionou a Lei de Drogas, que contribuiu para o aumento exponencial da população carcerária no Brasil. Para muitos jovens negros, a universidade não é sequer uma possibilidade porque estão presos injustamente ou mortos pela política de guerra às drogas.

Não é de hoje, inclusive, que o PT apresenta uma composição e discursos racialmente problemáticos. Gleisi Hoffman, atual presidente do partido, já chegou a comparar a exclusão de Lula no pleito eleitoral de 2018 com a exclusão da população negra após mais de 500 anos de escravidão – uma comparação, no mínimo, desproporcional.

Além disso, Belchior utiliza o argumento da experiência para defender a candidatura de Fernando Haddad, afirmando que não é hora para “aventuras”. Trata-se de uma tese diretamente relacionada à defesa de que só alguns poucos têm a capacidade de governar, o que afasta as classes trabalhadoras – majoritariamente negras – da política. Se em mais de 40 anos de partido Lula ainda se mantém como o principal ativo eleitoral do PT, quando será a hora da renovação, então?

Nesse sentido, o projeto político petista é insuficiente para resolver os problemas de nosso país. A pandemia escancarou a desigualdade social por aqui, mostrando que o problema brasileiro é estrutural e não se resolverá apenas com as eleições: é necessário um programa político comprometido com a transformação profunda da nossa realidade, ciente de que o racismo segue sendo um fator central de acumulação no capitalismo brasileiro; derrotar o racismo, portanto, exige atacar as estruturas que sustentam o sistema capitalista. E para a construção desse programa, é essencial que o movimento negro não seja cooptado por nenhum governo que tenha como centro a gestão do Estado capitalista brasileiro, e que tenha independência para criticá-lo.

Por isso, ainda que se considere a importância de Lula para a derrota eleitoral de Bolsonaro em 2022, também devemos, nessas eleições, apresentar um programa radical, que reflita pautas essenciais para a defesa da população negra. Um programa que combata a guerra às drogas – uma das principais políticas responsáveis pelo encarceramento e genocídio da juventude negra -, que compreenda como imoral a existência de bilionários enquanto a maioria da população vive em situação de miséria e que proponha uma política de segurança de desmilitarização das polícias. Não podemos ter medo de construir o amanhã.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Letícia Chagas

Graduanda em Direito na USP, foi a primeira presidente negra do Centro Acadêmico XI de Agosto (2020-2021) e pesquisadora do Programa de Educação Tutorial (PET) Sociologia Jurídica. Atualmente, é coordenadora de pesquisa do Grupo de Pesquisa e Estudos de Inclusão na Academia (GPEIA).

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