O motor do voto em 2022: retratos da crise econômica do Brasil – IREE

Análises e Editorial

O motor do voto em 2022: retratos da crise econômica do Brasil

Por Samantha Maia

As pesquisas eleitorais têm apontado que a principal preocupação do brasileiro este ano é a economia. Segundo a Genial/Quaest, 50% dos eleitores dizem que a economia é o maior problema do país, e 62% acham que a situação piorou no último ano. Já a pesquisa Datafolha mais recente indica que 53% dos brasileiros consideram que a situação econômica tem “muita influência” na sua decisão de voto. 

Na quinta, 2 de junho, o IBGE divulgou que o PIB do Brasil cresceu 1% no primeiro trimestre de 2022, resultado que os analistas creditam ainda a um efeito do retorno de serviços que ficaram fechados na época mais grave da pandemia. Os demais dados da conjuntura indicam, porém, que a atividade econômica deve perder fôlego este ano. Juros elevados, persistência da inflação alta, redução dos investimentos produtivos e queda da renda da população, esta última em especial que afeta diretamente o consumo, o chamado “motor da economia”. 

Podemos dizer que o fator consumo este ano também será “motor do voto”. E desta vez, não se trata de quem busca ascender na vida e adquirir sua casa, comprar carro, viajar de avião, e outras aquisições que viraram símbolos do crescimento da classe C ao longo das décadas de 2000 e 2010. O Brasil que vai às urnas neste ano está na miséria e tem se endividado para colocar comida na mesa

O Presidente Jair Bolsonaro (PL) tenta convencer essa população que empobreceu nos anos de seu governo de que não foi por culpa de sua gestão, afinal temos a pandemia e há uma guerra na Ucrânia que afeta a economia global. 

Até o momento, a quatro meses das eleições, o Presidente conseguiu convencer a fatia mais abastada da população. O Datafolha indica que Bolsonaro tem 50% das intenções de voto entre os eleitores com renda familiar mensal superior a dez salários e 56% entre os empresários. 

Na outra ponta, apenas 25% dos que ganham até 2 salários mínimos, fatia que reúne cerca de 52% do eleitorado, manifesta intenção de votar pela reeleição do Presidente. Entre os desempregados, Bolsonaro tem 16% das intenções de voto, e 20% entre os que recebem o Auxílio Brasil. 

Com esse cenário, a pesquisa Datafolha indica que o ex-Presidente Lula da Silva (PT) venceria as eleições no primeiro turno, com 54% dos votos válidos, contra 30% de Bolsonaro. 

Como definiu a analista política Maria Cristina Fernandes, do jornal Valor Econômico, os mais pobres declararam oposição ao governante de plantão. “Nunca o haviam feito de maneira tão acachapante a esta altura da campanha. Com ódio, fome e pressa, o Brasil emparedou o bolsonarismo. Cedo demais?”, reflete a jornalista.

Reportagem da BBC Brasil buscou entender quem são os 5% de eleitores que consideram que a economia vai bem e conversou com um empresário apoiador de Bolsonaro. Ele vê como acertadas as políticas do governo federal e culpa o “fica em casa” (como ele define as medidas de isolamento para a redução de contágio no auge da pandemia) pelos prejuízos. Para ele, a imprensa e adversários do Presidente pintam um quadro “excessivamente dramático da economia”. 

Retratos da crise econômica

A renda média dos trabalhadores brasileiros caiu 7,9% no último ano, segundo a Pnad Contínua. Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registrou redução de 6,06% do salário médio de admissão entre dezembro de 2020 e dezembro de 2021.

A perda de poder aquisitivo combinada à alta de preços, principalmente de produtos básicos, é uma das causas da fome voltar a ser um problema estrutural no país. A pesquisa global Gallup divulgou que a insegurança alimentar no Brasil atingiu patamar recorde em 2021, superando pela primeira vez a média global. 

O noticiário tem dado caras a esses números. Na capital paulista, mais mães estão precisando deixar seus bebês com menos de dois meses nas creches para trabalhar no mercado informal, onde não há licença maternidade. Relato de uma mãe ao jornal Folha de S.Paulo: “Está tudo cada vez mais caro, de mercado já cortei quase tudo, carne, fruta, legumes até o leite dos maiores. Meu leite do peito já nem estava dando conta para a Eloá. Na creche, é até bom porque lá eles dão a fórmula”.

No mercado formal, o país tem hoje a maior parcela de trabalhadores ganhando até um salário mínimo desde 2012. Relato de um operador de estacionamento ao jornal O Globo: “Tive que diminuir o consumo de vários alimentos, principalmente carne vermelha. Acho um absurdo ter que cortar coisas até da alimentação. Fora a conta de energia. Em 2019, eu ganhava até menos, mas dava para comprar mais coisas no mercado e ainda sobrava alguma coisa para me divertir. Hoje, tenho que escolher o que comprar”.

No “trabalho autônomo” de entregas por serviço de aplicativo, pessoas lidam com jornadas exaustivas sem conseguir garantir dinheiro para comida. Relato de entregador para o jornal O Globo: “Minha meta é fazer R$50 por dia. Num dia bom consigo R$70, às vezes, no final de semana, chego a R$100 — conta David Ferreira, que trabalha cerca de 12 horas por dia. — Consigo sobreviver, pago aluguel e pensão. Mas às vezes passo aperto. O pior é quando passo fome na rua, volta e meia acontece, aí fico só com o cheirinho de lanche na mente”.

Infelizmente é possível citar inúmeros relatos semelhantes que evidenciam o aumento da miséria no Brasil. Um quadro econômico não apenas dramático, mas trágico e indecente, que tem potencial de ser o grande definidor das próximas eleições.



Por Samantha Maia

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