Quando criança eu tinha uma coleção de livrinhos, ilustrados, capa dura, da Editora Vecchi. Vários clássicos infantis, alguns desconhecidos, mas havia um que chamava minha atenção: “A Divertida História do Papai e da Mamãe que Se Estimavam”. Era um casal, em que o marido, por conta de uma aposta, faz os negócios mais absurdos e idiotas, perde uma montanha de dinheiro e a esposa sempre fica feliz com tudo. Lembrei disso hoje quando li que os 17 milhões de reais via pix na conta de Bolsonaro não eram fruto de lavagem de dinheiro, mas milhares de depósitos legítimos.
-Meu bem, vai comprar pão?
-Não posso, acabou o dinheiro.
-O que houve?
-Doei tudo em pix para o Mito.
-Oh, como você é sábio, meu amor!
A gente precisa respeitar a vontade popular. Nesse caso, Jair não está roubando nem matando. Mendigou dinheiro, e este veio.
-Olha aqui, tá ok? Eu podia estar matando, eu podia estar roubando, mas estou pedindo!
E, cereja do bolo, agradeceu dizendo que o dinheiro daria “para pagar algumas contas e levar a Michele para comer uns pasteis”.
Criatura admirável…
Uma leitora destas bem-traçadas me perguntou numa rede social:
-Você vive citando as mortes por covid e botando na conta do Bolsonaro. Foi uma doença terrível, matou no mundo todo!
Ora, gentil leitora… A população mundial é de cerca de 8 bilhões de pessoas. No Brasil, somos pouco mais de 200 milhões. Ou seja, 2,5%. Tivemos 6.900 e tantas mil mortes por covid no mundo, arredondando, 7 milhões de vítimas. No Brasil, mais de 700 mil. Dizendo “ou seja” de novo, 10% das mortes. QUATRO vezes mais que nossa participação na lotação do planeta. E de quem é a culpa? Hein? Hein? Hein? Ah, fatalidade? Falta de cloroquina?
Dentre os milhares, quase milhões, de elogios que recebo diariamente por esta coluna, vez por outra aparece alguma crítica velada, como a da bela moça adrede citada. Por exemplo, um rapaz que mostra os bíceps e ostenta óculos escuros no seu perfil me pergunta, delicadamente, que tipo de imbecil eu sou. Ora, trata-se de uma pergunta complexa, pois nunca pensei na minha taxonomia pessoal. Acredito que sou do tipo covarde, que jamais se indisporia com bíceps daquele tamanho. No máximo, o xingaria com palavras longas, que ele certamente teria dificuldade de compreender.
Um outro, que poderia ser irmão do anterior, mas com uma bandeira verde e amarela no fundo de sua foto de perfil (acho curioso chamar de foto de perfil quando ela é tirada de frente. Enfim…) me diz que o Brasil precisa que Bolsonaro volte, sob pena de ser destruído pela incompetência de Lula. Me dei ao trabalho de responder, questionando se ele não observa nas ruas o quanto nossa vida melhorou. Não observa não. Ele mora em Orlando, e lá chegam informações com a verdade sobre nosso cotidiano. Vivemos sob censura, sem liberdade de expressão. E somos chacota no resto do mundo, por termos um ex-presidiário na presidência. Ainda tentei, e perguntei sobre Mandela.
-Mandela nunca roubou.
Bem, trata-se de uma verdade incontestável, então não tenho como argumentar; poderia dizer que Lula também não, mas não creio que adiantasse alguma coisa. Em relação a esta criatura eu poderia ser mais macho, visto que mora nos EUA, mas acho melhor não abusar da sorte. Usemos os polissílabos e pronto.
Mas não vivo só de derrotas. Acabo de receber um comentário em que a leitora se declara “apaixonada” pelo meu texto. Fico feliz por alguns segundos, até descobrir que ela se refere a alguma coisa que não escrevi e não faço a menor ideia de quem o fez. Sic transit gloria mundi.
Então encerro por aqui, convidando os leitores a me escreverem nas redes. É muito bom esse tipo de diálogo, a gente se sente revigorado, mesmo com eventuais críticas. E sim, se você for bolsominion, escreva também, terei o maior prazer em te responder, quem sabe até te fazer mudar de ideia.
Apenas não ligue se eu começar a usar palavras compridas, que você não entende…
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Ricardo Dias
Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.
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