O Museu da Língua Portuguesa foi reinaugurado. Presentes, os presidentes de Portugal e Cabo Verde, o ministro da Cultura de Angola, ex-presidentes do Brasil… Do atual, necas de pitibiriba.
Lula e Dilma nunca primaram pelo domínio da língua culta. Temer, por sua vez, falava português com sotaque latino clássico, com toques de grego antigo. Mas não admito que critiquem nosso presidente em exercício neste quesito! Quando pronuncia “Cuestão” ele não está errado, a palavra admite dupla pronúncia – mas ao fazê-lo ele está sub-repticiamente criticando o fim do trema; quando fala “disso que tá aí” ele resume todo um estado de coisas economizando palavras, num admirável poder de síntese, e quando fala seu famoso “talkey?” ele convida ao diálogo, conclamando as pessoas à concordância. Falam mal do homem mas esquecem do linguista, criador de geniais neologismos como “Vachina” e “despetização”. E é um homem afeito à língua escrita, com seus textos no Twitter, e que também nutre exacerbado afeto pelo texto impresso, como demonstra no episódio das urnas eletrônicas.
O português sempre foi um problema para mim. Análise gramatical, estrutura, nada disso fazia (ou faz) sentido. Não sei a diferença entre uma oração coordenada assindética e um espremedor de alho. Sempre falei meio “de ouvido”, então ia – e vou – me virando.
Minha primeira cisma com a língua foi a palavra “muito”. Eu estava começando a ficar melhor em soletrar, e tasquei M-U-I-N-T-O – o que até hoje me soa lógico. Minha mãe me corrigiu, e creio que só me convenceu à força de uma sandália Havaianas nas mãos. Aceitei o plural de “qualquer” sem muitos problemas, e virei um admirador do trema – cujo luto ainda mantenho, aliás.
No colégio (federal e gratuito) tive aula com um professor das antigas, o saudoso prof. Morais. Sabia português, vejam só. Um dia, numa redação, escrevi algo como “por hora ele estava satisfeito”, mas o professor não ficou muito: rabiscou em vermelho e cortou o H. Tímido, fui questioná-lo, e boquiabri-me com a explicação, não fazia ideia. Ainda achava que seria melhor com o tal H, mas aceitei, mesmo sem sandálias Havaianas ameaçadoras.
Poucas semanas depois o professor se ausenta por motivo de saúde e entra uma estagiária, jovem, linda. Adolescente em estágio inicial, resolvi impressionar a donzela e taquei numa redação:
-Meu pai ia a 100 km por ora, logo reduziu e…
Aguardei a devolução e, como esperado, veio a correção: um enorme H escrito com caneta vermelha. Com um ar superior cuidadosamente estudado, dirigi-me a ela e apontei o equívoco: meu pai estava POR ORA dirigindo a 100 Kms POR HORA. Ela me olhou, e não foi com o olhar de admiração que eu esperava. Disse que não ia ser enrolada por uma criança, que eu tinha errado mesmo e estava dando uma desculpa. Uma injustiça tremenda, e minha timidez impediu de protestar: a única mentira na história era a tal velocidade, o fusquinha do meu pai, de tão lento, não tinha velocímetro, tinha calendário…
A língua é cruel. O craque Paulo Cesar, dito Caju, foi renovar contrato com o Botafogo. Mandou sua pedida, o diretor rubricou e meteu um “Ciente”. Na hora de renovar mesmo, veio um valor muito abaixo do esperado. Reclamou e ouviu: “Ciente” não é “de acordo”. Uma vez inauguraram uma linha de ônibus perto do meu trabalho de então. Gostei da novidade, e perguntei ao fiscal qual era a periodicidade daquela linha. Ele me olhou com uma cara meio esquisita:
-Não sei, acho que é Mercedes.
Mas temos a questão da compreensão. A recente prisão do nobelérrimo Roberto Jefferson me lembra o programa do qual ele participava nos anos 80, “O Povo na TV”. Era um programa vespertino, meio Mundo Cão, ao vivo, onde o diretor soprava tudo pelo ponto eletrônico, o apresentador ouvia e repetia. Num glorioso dia, a manchete era a tragédia de uma criança, cuja orelha tinha sido comida por pseudomonas, uma bactéria. O apresentador, com expressão furibunda, lábios trêmulos, olhos rútilos fixos na câmera, diz:
-Criança tem orelha comida por seu Domonas.! Safado! Canalha! Canibal!!!!!
Mas essa coluna, que apesar de ser de humor se situa no contexto da Cultura, parabeniza o ministro da Educação, que nos diz que “universidade deveria ser para poucos”. O ministro, terrivelmente evangélico, em seu contexto tem TODA a razão. Eu mesmo fui estudante em uma federal (gratuita), e não aprendi nada: era o dia todo em orgias, fumando maconha, urinando em crucifixos, isso não é para todo mundo. E proponho a militarização de todas as escolas, precisamos de mais Pazuellos, de mais militares de um modo geral. Afinal, ninguém pensou nisso: para resolver os problemas dos aposentados e do desemprego, é muito simples: transformem TODOS em militares, assim toda a nação terá emprego garantido e aposentadoria integral.
As soluções estão na frente de todos, basta querer.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Ricardo Dias
Tem formação de Violonista Clássico e é luthier há mais de 30 anos, além de ser escritor, compositor e músico. É moderador do maior fórum de violão clássico em língua portuguesa (violao.org), um dos maiores do mundo no tema e também autor do livro “Sérgio Abreu – uma biografia”.
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