Por Florestan Fernandes Júnior*
Político, sociólogo, antropólogo, educador, escritor, defensor ferrenho da educação pública e da causa indígena, Darcy Ribeiro é um dos personagens mais importantes da história do Brasil, indispensável para a compreensão da formação do povo brasileiro. Ele teve vida pública bastante ativa, ocupando o cenário político e cultural brasileiro por toda a vida.
E foi na política que Darcy desempenhou um papel importante, tanto na clandestinidade como em cargos executivos. Foi Ministro de Estado do governo do presidente João Goulart, vice-governador de Leonel Brizola e senador pelo Rio de Janeiro. Enfrentou duas ditaduras, na última delas, foi preso político e passou um longo período no exílio.
Na primeira ditadura, a do Estado Novo, Darcy pertencia aos quadros do Partido Comunista Brasileiro.
Naquela época, o seu conterrâneo, Marco Antônio Coelho, que era estudante na Faculdade de Direito da universidade de Minas Gerais, fez uma arguição sobre como construir o mundo no pós-guerra. A fala de Marco Antônio criou um alvoroço em Belo Horizonte ao propor destruir três coisas: Deus, Pátria e Família. Porque era exatamente a consigna do Integralismo e do fascismo no Brasil.
Quando soube do discurso, Darcy Ribeiro, não perdeu tempo e convidou Marco Antônio para ingressar no partido.
Passados 80 anos, esse lema volta assombrar nossa democracia. E fica a pergunta: de que Deus estão falando? O dos falsos profetas que se enriquecem com a fé alheia. E que Pátria nos aguarda? A das armas, da violência e do preconceito racial e de gênero. E, finalmente, a qual família se referem? Àquela cindida pelo discurso de ódio, pela intolerância e pelas fake News, a ponto de não conseguirem dividir o mesmo espaço domestico?
Desta vez não temos a criatividade, a astucia e o vigor militante de Darcy para nos apontar caminhos e formas de superar esse momento triste da história de nosso país.
Portanto, é mais do que necessário discutir a obra e o legado desse mineiro com sotaque carioca, que sabia como poucos seduzir seus alunos e seguidores para as causas da inclusão social e da educação pública de qualidade.
Retomar as discussões que inspiraram a criação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1961, das quais Darcy participou ativamente. Retomar o espírito que o fez, nessa mesma época, idealizar e concretizar, junto ao educador, jurista e escritor brasileiro Anísio Teixeira, a criação da UNB, da qual foi o primeiro reitor.
De sua passagem pelos Ministérios da Educação e da Casa Civil.
Ou ainda das escolas de tempo integral, os CIEPS em que os estudantes tinham atividades escolares regulares, além de reforço escolar, educação física, iniciação esportiva, projetos culturais, como aulas de música, pintura e teatro.
Da criação do Sambódromo do Rio de Janeiro, mais conhecido como Sambódromo da Marquês de Sapucaí, originalmente nomeado Passarela Professor Darcy Ribeiro.
Este ano se comemora o centenário de Darcy Ribeiro um pesquisador e teórico que fez parte de uma geração de grandes homens. Ele esteve ao lado de Caio Prado, Celso Furtado, Sergio Buarque, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Antonio Candido e tantos outros. Grandes brasileiros, que pensaram o Brasil e a ele dedicaram toda a vida.
Em discurso sobre Darcy Ribeiro, no Senado da República o senador Cristovam Buarque destacou em 21/03/2007:
“Darcy deixou um exemplo, porque alguns fazem política e deixam apenas lembranças de que passaram pelo poder; outros fazem política e deixam um legado pelo que fizeram; raros deixam um exemplo pelo que foram. Darcy Ribeiro nos deixou um exemplo. Um exemplo da complementaridade entre a sua obra e sua vida”
Para Cristovam, Darcy Ribeiro era um profeta, pelo fato de antecipar a importância da educação:
“O progresso não vem da ordem, o progresso vem da educação. O progresso não vem do chão de fábrica, vem dos bancos de escola. Não é mais uma questão de luta de classe, de contrários, de uma dialética, fazendo com que o mais forte vença o mais fraco. É tempo de uma convergência, fazendo com que todos convivam. Não é mais questão, hoje, de a gente dizer, como se dizia antes, que uma revolução acabaria com os ricos. Hoje é hora de dizer que a revolução acaba com a falta de educação”
De fato, não mais podemos contar com o olhar acurado de Darcy Ribeiro para apontar caminhos, mas temos o seu legado. Este legado nos proverá as bases para a reconstrução do nosso país.
* Florestan Fernandes Júnior é jornalista renomado, comentarista e articulista com passagens pelas principais redações e emissoras do país como TV Brasil, Folha de S. Paulo, TV Globo, TV Cultura e Rede TV. Trabalhou ao lado de Alberto Dines na produção da série para TV Histórias do Poder – 100 Anos de Política no Brasil, publicado em três volumes pela Editora 34. É Coordenador de comunicação do TCMSP.
Este texto foi lido originalmente no Seminário “100 anos de Darcy Ribeiro: A utopia é aqui”.
Por Equipe IREE
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