A denúncia sobre possíveis irregularidades na negociação para a compra da vacina indiana Covaxin reorientou os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid e pode reorganizar o cenário político no país.
A suspeita de corrupção na gestão de Jair Bolsonaro na Saúde ocorre em um momento de queda da popularidade do presidente, atinge o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), e une grupos que até então resistiam a aparecer juntos no apoio ao impeachment.
Com esta e outras denúncias que surgiram nos últimos dias, como a de suspeita de oferta de propina para a compra de vacina, a CPI, que até então tratava as omissões do governo Bolsonaro à frente da pandemia como fruto do negacionismo, passa a investigar os atos como consequência de corrupção. O caso pode abrir espaço inclusive para a responsabilização do próprio presidente.
Ao longo de dois meses, a CPI focou na coleta de informações sobre erros do governo federal que incluíam a desinformação da população, o desestímulo ao uso de máscara e ao isolamento, o investimento em formas ineficazes de tratamento, a promoção deliberada de aglomerações em torno de Bolsonaro, entre tantas outras ações que tomaram a mídia e as redes sociais desde o início da pandemia.
Não é que o governo tenha agido na surdina. O discurso anticiência e o descaso com a vacina e com as medidas de controle do contágio foram, e são, bradados por Bolsonaro e sua equipe publicamente mesmo diante da piora do cenário pandêmico. Mas a CPI, dizia-se, daria condições para a responsabilização dos gestores, ao relacionar seus atos ao aumento das contaminações e das mortes. Um dos momentos mais marcantes nesse sentido foi quando Carlos Murillo, gerente geral da Pfizer na América Latina, relatou que o governo havia ignorado seguidas ofertas do imunizante.
A cada dia o noticiário é atualizado com novos detalhes relacionados às denúncias em uma trama que deve demorar para ter fim. Mas algumas ações já trazem consequências a Bolsonaro. A denúncia sobre possível favorecimento nas negociações para a compra da Covaxin é alvo de investigação do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União, da própria CPI e da Polícia Federal.
No dia 28 de junho, senadores pediram ao STF que Jair Bolsonaro fosse investigado por prevaricação por conta dos relatos dos irmãos Miranda à CPI da Covid de que o presidente foi alertado sobre irregularidades no caso Covaxin. O STF, por sua vez, encaminhou à Procuradoria-Geral da República, que pediu no dia 2 de julho a abertura de um inquérito no STF.
Diante das denúncias de corrupção, a campanha nacional contra Bolsonaro adiantou manifestações do dia 24 para o dia 3 de julho, e ganhou apoiadores. Os atos realizados nos dias 29 de maio e 19 de junho foram representados principalmente por entidades do campo progressista como o Povo Sem Medo, a Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos, e por partidos como PT, PCdoB, PSOL, PSB, PDT, Rede e Cidadania.
Desta vez, no entanto, partidos e movimentos mais à direita também prometem aderir, como o PSDB, o MBL e o PSL. A adesão acontece em sintonia com a apresentação de um “superpedido de impeachment” contra Jair Bolsonaro por representantes de diferentes partidos, parlamentares, lideranças sociais, coletivos e movimentos populares no dia 30 de junho. O documento reúne e atualiza fundamentações dos mais de 100 pedidos já apresentados e lista 23 crimes de responsabilidade atribuídos ao presidente. Até então, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, não manifestou disposição em levar o pedido adiante.
O Brasil continua a registrar números alarmantes de contaminação e mortes decorrentes da pandemia. No dia 30 de junho, o país registrou 2.127 mortes por Covid-19, o maior número em uma semana. Ao todo, 518.246 vidas haviam sido perdidas até então.
Pesquisadores estimam que aproximadamente 130 mil vidas poderiam ter sido salvas este ano caso houvesse uma campanha massiva de vacinação desde janeiro, ou 2 milhões de doses aplicadas por dia, número ainda não alcançado, pelo menos não de forma consistente. Em junho a média foi de cerca de 1 milhão de doses por dia. Mas no dia 24 de junho, 2,2 milhões de vacinas foram aplicadas, comprovando a capacidade do Sistema Único de Saúde quando se tem o imunizante disponível.
Por Samantha Maia
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