A duas semanas da posse, o futuro governo federal segue enredado em dificuldades para organizar-se. A impossibilidade prática de acalmar a voracidade por sinecuras e acomodar todos os que se entendem credores de alguma benesse, faz o processo de montagem da equipe do Executivo patinar no atoleiro de suas próprias contradições.
Impossível alimentar expectativas diante de tantas caras manchadas pelos escândalos de corrupção que varreram o país nos governos anteriores desses mesmos que hoje retornam. Afronta-se de forma inconsequente a memória de investidores e empreendedores (estes sim, os únicos capazes de gerar a riqueza que se pretende distribuir) com candidatos para direção de empresas estatais cujos passados lhes tiram credibilidade. As ações correspondentes negociadas na Bolsa de Valores derreteram e perderam mais de 600 bilhões de reais neste mês e meio.
Não há proposta inovadora, os discursos revelam conceitos envelhecidos, trazidos de um modelo anacrônico que por onde andou só fez multiplicar a miséria. Aponta-se o passado desastroso como o caminho da prosperidade. Difícil distinguir o que é dogma do que é má-fé nesse entrevero tragicômico. Como é impossível errar em tudo, é justo reconhecer o acerto da escolha do futuro ministro da Defesa.
As duas primeiras vitórias legislativas reforçam, pelo método e pelo conteúdo, a suspeita de que de fato nada mudou. A proposta emenda constitucional (PEC) da gastança sem controle e a escandalosa gambiarra na Lei das Estatais, patrocinada pela esperteza política e ambição do presidente da Câmara dos Deputados, reduziu de 3 anos para 1 mês (um período de férias!) a quarentena de agentes políticos para assumir cargos em estatais.
O que muitos acreditavam como esperança, antes mesmo de entrar em campo garantiu a repartição de boquinhas e recursos para aplacar a compulsão pelo butim do patrimônio público. A conta, como sempre acontece, será entregue no balcão dos contribuintes.
O time de economistas tucanos que durante a campanha emprestou seu entusiasmado apoio ao então candidato Lula, começa a abandonar o barco escandalizado com a heterodoxia econômica. Um a um, vão confessando profunda preocupação com as consequências fiscais da PEC do rombo.
Enquanto isso, os demais Poderes parecem ter abandonado aqueles a quem deveriam servir. Do Judiciário nada mais surpreende, ministros que se unem às comemorações do vitorioso na casa do advogado com licença para transitar de bermudas na Suprema Corte, fanfarronices como ameaça pública de mais prisões, chicanas para protelar o julgamento do chamado orçamento secreto e garantir a tramitação da PEC do rombo, censura prévia, ativismo político e outras estripulias apontadas por juristas renomados. O Congresso Nacional balança entre a omissão e a covardia e o interesse pessoal imediato. As poucas vozes de sempre ainda se esforçam em honrar seus eleitores na aridez ética daquele deserto do interesse público.
Infelizmente e contra a minha natureza, já não é mais possível esconder o pessimismo com o que virá. Não torço pelo pior, seria atentar contra meus filhos e netos, apenas não consigo ver no oba-oba geral desta desestimulante preliminar algo mais do que um triste “déjà vu”.
Feliz Natal!
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Sergio Etchegoyen
É Presidente do Conselho de Administração do IREE Defesa & Segurança, General de Exército da reserva e foi ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (maio de 2016 a dezembro de 2018). Ingressou no Exército em 1971, na Academia Militar das Agulhas Negras, e foi declarado Aspirante a Oficial de Cavalaria em 1974. Como oficial-general, de novembro de 2004 a maio de 2016, comandou a 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, foi Assessor Especial Militar do Ministro de Estado da Defesa e cumulativamente chefe do Núcleo de Implantação da Estratégia Nacional de Defesa, comandou a 3ª Divisão de Exército, exerceu as chefias do Departamento-Geral de Pessoal e do Estado-Maior do Exército.
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