‘O Estado não pode fazer vingança’ – IREE

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‘O Estado não pode fazer vingança’

Entrevista concedida pelo presidente do IREE, Walfrido Warde, ao Estadão.

Há dois anos, o advogado Walfrido Warde Júnior defendeu que as empreiteiras da Lava Jato poderiam quebrar porque havia lacunas na lei para a sua recuperação. Chegou a fazer sugestões, que foram incluídas em projetos de lei. Pouco se avançou, porém. Como presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa, ele defende que a discussão precisa ser retomada: “Precisamos punir os responsáveis, mas também preservar os negócios”, diz.

A seguir, trechos de sua entrevista.

Estadão – O que se imaginava é que os executivos fariam delações, empresas pagariam multas e todos tocariam a vida. Não é o que estamos vendo. Por quê?

Walfrido Jorge Warde Júnior – Acho que elas nunca imaginaram que poderiam tocar a vida…. Mas o fato é que estamos vivendo uma síndrome de múltiplas personalidades estatais: temos um monte de atores envolvidos nessa história.

Estadão – O sr. pode explicar, então, como se divide a punição?

Walfrido Jorge Warde Júnior – Nós temos algumas leis que gravitam no entorno do problema da corrupção, especificamente da corrupção endêmica, que é o caso da Lava Jato. Temos a lei de improbidade administrativa, pela qual o Estado busca ressarcimentos – condena quem causou o dano a pagá-lo e impõe outras punições. Por exemplo: não poder fechar contratos com o poder público – caso de empresas; ou perder direitos políticos – caso de pessoa física. Essa ação é pelo Ministério Público. Tem também o processo penal. O autor também é o Ministério Público. Além disso, tem o processo administrativo, que, no caso da Lava Jato, é tocado pelo Ministério da Transparência (antiga Controladoria Geral da União, CGU), que pode levar à improbidade administrativamente. Então, fazer uma leniência com a ex-CGU não significa que o Ministério Público vá parar uma ação penal. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) busca infrações às regras de proteção à concorrência. TCU (Tribunal de Contas da União) vê se tudo é feito conforme as regras, se a indenização é correta, se a multa é adequada. E por aí vai.

Estadão – O correto seria negociar com todos ao mesmo tempo?

Walfrido Jorge Warde Júnior – Correto seria que tivéssemos uma legislação que trouxesse toda essa gente para sentar à mesa, em colaboração. Mas o que estamos vendo é concorrência e busca de protagonismo entre eles. Não podemos ter um combate inconsequente. Quando digo inconsequente é um combate que destrua a empresa brasileira, que acaba com o capitalismo nacional.

Estadão – É isso que está acontecendo?

Walfrido Jorge Warde Júnior – Estamos vendo isso acontecer. A gente tinha um modelo de capitalismo – podemos discutir se era certo ou errado, mas era assim – escorado em relações entre Estado e empresas. As construtoras eram como recheios do Estado. De um lado, negociavam com o Estado financiamentos para as suas atividades; do outro lado, desde os anos 90, passaram a exercer funções estatais, como concessionárias de serviços públicos. O perecimento dessas relações tem impacto. Mesmo que elas não tenham sido condenadas, têm problema de reputação. O Estado não pode financiá-las, contratá-las. Simplesmente congelamos um setor importantíssimo da economia.

Estadão – Como empresas corruptas são punidas em outros países?

Walfrido Jorge Warde Júnior – Temos coisas que nos distinguem do resto do mundo. Primeiro, falta pragmatismo no tratamento dessas questões. No resto do mundo a lei põe todo mundo na cadeia, apresenta qual é o dano, qual indenização deve ser paga, de uma maneira possível, para impactar o mínimo possível a empresa. A segunda coisa é o nosso nível de concentração econômica. Essas empresas são todas pelos donos. É mais fácil quando são de capital aberto.

Estadão – O executivo é uma peça móvel.

Walfrido Jorge Warde Júnior – Exato. Não há dúvida que no caso brasileiro tem essa dificuldade: achar que uma organização vai deixar de ser como ela era porque você mandou o executivo embora, mas o controlador permanece, é uma ilusão.

Estadão – Pelo que o sr. está descrevendo, temos um dilema: como resolver o problema da empresa se o acionista está envolvido?

Walfrido Jorge Warde Júnior – Temos de colocar o controlador na linha ou substituí-lo.

Estadão – Como é que se tira o dono do seu próprio negócio?

Walfrido Jorge Warde Júnior – Em casos extremos, a lei até permite isso, mas é complicado. Lá em 2015, a gente tinha uma proposta, que retornou há pouco na voz do ministro Bruno Dantas (do TCU). Você não vai na holding e tira o controlador, mas é possível fazer uma abertura do fechadíssimo mercado de infraestrutura transferindo as concessões. Vamos supor que após a investigação se conclui o tamanho do prejuízo que uma empreiteira causou ao erário. Ela paga transferindo ao Estado as ações do projeto dessa hidrelétrica e o Estado leva a leilão. Se der para cobrir a multa, maravilha. Se não, precisa dar ações de outros projetos.

Estadão – Mas o Estado já foi lesado e ainda vai entrar nisso. Por quê?

Walfrido Jorge Warde Júnior – Você tem ressarcimento rápido, permite que as empresas paguem a sua dívida com a sociedade e o País e destrava o mercado de infraestrutura.

Estadão – Fazer algo assim não pode dar a sensação de que elas não estão sendo devidamente punidas?

Walfrido Jorge Warde Júnior – Vão ficar sem punição se quebrarem e não pagarem o que devem. Podem achar que deixar elas quebrarem seria uma punição. Não é. Isso seria uma vendeta emocional.

Estadão – Há quem considera a força-tarefa dura com as empresas. O sr. pensa assim?

Walfrido Jorge Warde Júnior – Não existem Estados distintos. Existem agentes distintos do Estados. A força-tarefa tem uma trabalho importantíssimo de combate à corrupção. Mas não é possível imaginar que Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário estão apartados de outros interesses nacionais. A minha ponderação é simples. Precisamos punir os responsáveis, mas também preservar os negócios.



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