O Estado é laico, mas o eleitorado brasileiro não – IREE

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O Estado é laico, mas o eleitorado brasileiro não

Carolina de Paula

Carolina de Paula
Cientista Política



A pesquisa Datafolha de janeiro de 2020 revelou um aumento expressivo da população evangélica no Brasil. Segundo o levantamento, já são quase 30% de cidadãos com essa crença hoje. O Censo já apontava a tendência de crescimento. Enquanto na edição de 2000, 26,2 milhões de brasileiros se declaravam evangélicos (15% da população), no Censo de 2010 esse número foi de 42,3 milhões de pessoas (22% da população).

Ao mesmo tempo, mas não na mesma velocidade, houve um crescimento da institucionalização da participação evangélica na vida pública, de modo particular na Câmara dos Deputados. Enquanto em 2002 foram eleitos 42 deputados federais oficialmente identificados com a crença, em 2018 o número saltou para 82.  Ademais, é fato conhecido por todos a participação de ministros evangélicos no primeiro escalão do governo de Jair Bolsonaro.

A crítica normativa sobre a inserção dos evangélicos na vida pública, seja por meio de mandatos ou de indicações para a burocracia, precisa ser deixada de lado, ao menos por hora, quando se constata a existência de uma imensa massa identificada com o rótulo “evangélico”. Ou seja, parte significativa do eleitorado que irá às urnas em outubro.

Os desafios do campo progressista com o eleitorado evangélico

O desafio para o campo progressista consiste em entender e dialogar com esse eleitor. Um primeiro procedimento é entender que esse rótulo agrega uma série de outras identidades. Mesmo a expressão que se tornou chavão na mídia, “eleitorado evangélico”, precisa ser tratada de modo mais heterogêneo.

Recentemente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou em entrevista que durante o tempo que passou na prisão assistiu a muitos cultos religiosos, e que os pastores “estão entrando na periferia, porque o povo, quando está desempregado e necessitado, a fé dele aumenta”.

O partido já prepara uma ofensiva eleitoral de diálogo com lideranças religiosas evangélicas. Avalio que se trata de uma diminuta parte da saída, ainda que necessária.  É preciso disputar a “narrativa do acolhimento”, que é feita com esmero pelas igrejas evangélicas diante de um fiel (eleitor) em crise, seja ela econômica ou familiar, em situações de violência doméstica, por exemplo. Não é tarefa fácil.

A esquerda, com certa razão a meu ver, tem ojeriza à política do “cuidado”. Contudo, quando se fala de uma fatia do eleitorado que pouco pode contar com a presença do Estado, geralmente residente em regiões periféricas, alguma alternativa precisará ser oferecida.

Sabe-se que a figura do trabalhador assalariado e sindicalizado, a base do eleitorado da esquerda tradicional, vem sofrendo cada dia mais mudanças e encolhimento, não somente no Brasil.  E o discurso da política identitária, praticado pelo PSOL, por exemplo, tem um teto limitado de penetração em algumas regiões do País, em que a oferta de políticas públicas básicas são almejadas em caráter prioritário.

Entender os anseios e urgências desse “novo trabalhador”, em especial aquele identificado com a crença evangélica, é um passo necessário.  Outra possibilidade, bastante promissora, é levar em conta que dos 30% de evangélicos, identificados pelo Datafolha, a predominância é de mulheres e negros. Sabe-se que esse é o perfil do eleitorado que apresenta altíssima rejeição ao governo Bolsonaro. Quem sabe o caminho do diálogo não passa justamente por aí.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Carolina de Paula

É doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ, Diretora Executiva do DataIESP e consultora da UNESCO. Coordenou o "Iesp nas Eleições", plataforma multimídia de acompanhamento das eleições de 2018. Foi coordenadora da área qualitativa em instituto de pesquisa de opinião e big data, atuando em diversas campanhas eleitorais e pesquisas de mercado. Escreve mensalmente para o IREE.

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