O ensino superior e os caminhos do crescimento – IREE

Análises e Editorial

O ensino superior e os caminhos do crescimento

Em sua primeira entrevista como ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez chamou atenção ao dizer ao jornal Valor Econômico que o ensino superior seria reservado a uma elite intelectual, enquanto o ensino técnico seria mais eficiente para inserir os jovens no mercado de trabalho.

Para explicar sua visão, o ministro afirmou que, do ponto de vista da capacidade, “a ideia de universidade para todos não existe”, uma referência ao nome de um dos principais programas de acesso da população de baixa renda ao ensino superior que existe hoje, o Prouni.

Segundo o ministro, não fazia sentido, por exemplo, uma pessoa estudar advocacia para depois trabalhar como motorista de Uber.

“Nada contra o Uber, mas esse cidadão poderia ter evitado perder seis anos estudando legislação”, afirmou Rodríguez, que defende um modelo parecido ao da Alemanha, em que alunos com melhor desempenho são preparados para a faculdade, enquanto ao demais são encaminhados para cursos profissionalizantes.

Ainda candidato à Presidência, Jair Bolsonaro já havia manifestado opinião semelhante quando afirmou que o jovem brasileiro tinha uma “tara” por formação superior, mas que o ensino profissionalizante poderia trazer um retorno financeiro maior.

O doutor filho do pedreiro

O Brasil passou por um ciclo recente de ampliação do acesso às universidades. Entre 2007 e 2017, o número de matrículas na educação superior cresceu 56,4% no país, segundo dados do Inep, chegando a 8,2 milhões de matrículas.

Esse processo de expansão foi puxado principalmente pela facilitação de acesso ao financiamento estudantil, com o Fies, pelas bolsas do Prouni e pelo aumento das vagas em universidades públicas.

“Agora filho de pedreiro também vira doutor” é uma referência famosa usada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo governo iniciou a maior parte dessas políticas de acesso à universidade.

A frase diz respeito à possibilidade de mobilidade social em um país marcado pela desigualdade, em um contexto em que a faculdade surge como uma chance de quebrar um ciclo de miséria na família.

Já existe hoje uma geração de primeiros integrantes de uma família pobre a terem um diploma universitário na mão. Em 2015, um em cada três concluintes do ensino superior seria o primeiro da família a ter um diploma universitário, segundo levantamento do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).

“É mesmo uma grande conquista chegar à universidade, o ingresso de pessoas mais pobres foi muito positivo, mostrou novos talentos. É importante entender que a universidade não dá formação somente para se exercer uma profissão. É uma formação para a vida, existem cursos que abrem amplas possibilidades de atuação”, explica o filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, em entrevista ao IREE.

É o fim do ciclo de crescimento das vagas?

A estratégia política de crescimento das vagas nas faculdades e de incentivo ao acesso ao ensino superior tem esbarrado nos planos de ajuste fiscal dos últimos governos.

A área de educação foi afetada por medidas de austeridade, como a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que impõe um teto aos gastos públicos no intervalo de 20 anos.

Dados recentes mostram inclusive uma interrupção do crescimento da proporção de jovens com idade entre 18 e 24 anos cursando ou já formados no Ensino Superior em relação ao total da população na mesma faixa etária. Em 2017 esse percentual era de 19,9%, um recuo de 0,8 ponto percentual sobre 2016. A meta definida no Plano Nacional de Educação (PNE) é atingir 33% até 2024.

“O Brasil deu um tremendo salto no número de universitários desde o início do governo Lula, mas mesmo assim a proporção ainda é pequena e será difícil atingir a meta estabelecida pelo PNE”, avalia o ex-ministro.

O anuário elaborado pelo Todos pela Educação chama atenção para a importância de se olhar, além do crescimento das matrículas, para o desafio da diminuição da desigualdade no ensino superior, com a inclusão das parcelas mais pobres da população.

Segundo o material, “hoje, a taxa líquida de matrículas, considerando-se os 25% mais pobres, é de 7,2%, contra 48% da camada mais rica”. O que mostra que o impacto sobre a mobilidade social, ainda que exista, é muito limitado.

Universidade é só para a elite?

Mesmo com o salto recente no número de matriculados no ensino superior, o Brasil ainda conta com uma das menores taxas entre os países membros e parceiros da OCDE, inferior a todos os demais países da América Latina aferidos pela organização (Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica e México).

Segundo o último levantamento disponível, em 2015, 17% dos brasileiros de 24 a 34 anos haviam concluído o ensino superior, um crescimento em relação aos 10% de 2007, mas ainda abaixo da média OCDE em 27 pontos percentuais.

O país ainda tem, portanto, grandes desafios relacionados ao ensino superior. O que não significa que o ensino profissionalizante não mereça maiores atenções. Rafael Lucchesi, diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), é um defensor da necessidade da escola dialogar com o mundo do trabalho.

Em artigo publicado no Anuário Brasileiro para Educação Básica, Lucchesi escreveu: “Com um modelo academicista, que supervaloriza o diploma universitário, somos indiferentes com a maior parte da população, sobretudo com aqueles que são economicamente mais frágeis. A eles é negado o direito a uma profissão, a uma identidade social, reservados apenas aos que chegam ao Ensino Superior”.

Entre as modernizações necessárias para que esse diálogo aconteça, o economista cita a possibilidade de o jovem optar pela formação técnica e profissional, e a necessidade do país eleger a Educação Profissional como agenda estratégica de nação.

Desigualdade salarial

É importante lembrar, porém, que há no Brasil uma grande desigualdade salarial, o que diminui a atratividade de cursos profissionalizantes em relação ao ensino superior. Segundo dados da OCDE, um trabalhador brasileiro com diploma superior ganha em média 140% a mais que o profissional que estudou até o ensino médio, a maior diferença entre os 40 países analisados pela organização.

O Brasil pode até almejar um modelo de ensino como o da Alemanha, que foi construído ao longo de muitas décadas. Mas o mercado brasileiro também poderá a oferecer um salário mais justo para os técnicos?



Por Samantha Maia

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