A mentira, explicam os psicólogos, é parte da vida humana. Para o bem ou para o mal, ela acompanha o homo sapiens desde sua primeira caminhada na terra como imprescindível ferramenta na evolução e preservação da espécie. A proteção contra os seus malefícios, quando motivada por má fé ou desonestidade, esteve sempre no polo oposto, a verdade que só se encontra no confronto de dados.
Desde sempre, o iludir e sua contramedida, o desconfiar, têm sido indispensáveis no processo evolutivo para desenvolvermos espírito crítico. Nossos cérebros aprenderam a analisar com base em antecedentes e comparações que foram aprimorando nossa capacidade de julgamento. A vivência nos treinou a perceber inconsistências em sutilezas quase invisíveis, a tecnologia literalmente colocou em nossas mãos o acesso livre e ilimitado a fontes de informações que nos ajudam na busca da confirmação de um fato ou afirmação ou, pelo menos, a sua negação.
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O poder que se tem hoje de construir e disseminar uma inverdade só é comparável ao de desmoralizá-la, mas só em ambiente de livre escolha é possível a cada um de nós, a partir de nossas peculiaríssimas individualidades (cultura, vivências pessoais, talentos inatos e outros), processar as informações que nos chegam e discutir nossas conclusões para aferi-las com honestidade.
Discernir é exercício de aprendizagem, são os erros que nos ensinam a acertar, não o contrário. Sem tropeços não se aprende a caminhar muito menos a cair.
Só mesmo a ingenuidade mais alienada da realidade desconhece que em campanha política, em qualquer lugar do mundo, a mentira dá sustento a elogios, ataques e promessas. Na nossa aldeia global aderimos ao termo “fake news”, e elas, inegavelmente, vêm infernizando a atual disputa eleitoral. É e foi sempre assim, a grande novidade está na forma como nossas autoridades decidiram combatê-las, retirando do eleitor o direito ao julgamento pessoal sobre mentiras e mentirosos.
É assustador para quem acredita em liberdade ouvir um ministro da Suprema Corte afirmar que “o eleitor ordinário, no sentido gramatical da palavra, não está preparado para receber este tipo de desordem informacional”. A partir desse enviesado raciocínio, se não estamos preparados para julgar, estaremos preparados para votar? Somos, a partir de agora, limitados àquilo para o que juiz nos considerar preparados?
A Justiça Eleitoral, escorrega para ilegitimidade ao assumir-se como tribunal da verdade, ao decidir, à moda do Papa Paulo IV, lá no século XVI, com o seu Index, o que se pode ou não dizer. Não há maior ameaça à liberdade individual nem maior ofensa à democracia do que a tentativa de formatar o pensamento de outrem, pelo motivo que for.
Como serão tratados os responsáveis pelas promessas irrealizáveis que congestionam este pleito quando amanhã se mostrarem falsas? O conceito retroagirá?
Se a lisura de qualquer pleito, como o do próximo fim de semana, sempre está manchada pelas mentiras que invariavelmente circulam, este, em particular, ficará tristemente comprometido pela arrogância da tutela imposta pela Justiça ao arbítrio do eleitor.
Descobrir a verdade é ambição quase divina, encontrar a mentira está ao alcance de todos nós, dispensa-se ajuda.
A antítese de Joseph Goebbels não é verdadeira, esconder a verdade não a transformará em mentira.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Sergio Etchegoyen
É Presidente do Conselho de Administração do IREE Defesa & Segurança, General de Exército da reserva e foi ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (maio de 2016 a dezembro de 2018). Ingressou no Exército em 1971, na Academia Militar das Agulhas Negras, e foi declarado Aspirante a Oficial de Cavalaria em 1974. Como oficial-general, de novembro de 2004 a maio de 2016, comandou a 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, foi Assessor Especial Militar do Ministro de Estado da Defesa e cumulativamente chefe do Núcleo de Implantação da Estratégia Nacional de Defesa, comandou a 3ª Divisão de Exército, exerceu as chefias do Departamento-Geral de Pessoal e do Estado-Maior do Exército.
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