O resultado do último censo do IBGE sobre a população brasileira trouxe muitas mudanças já esperadas e algumas surpreendentes. A mais forte mudança verificada neste Censo foi o crescimento da população idosa. Diferente da década de 1990, quando a maior parcela da população era composta por crianças de até 14 anos, hoje a maioria se encontra na casa dos 35 a 44 anos. A população com mais de 65 anos já representa mais de 10% do total e aqueles com idade acima de 80 anos somam 4,6 milhões, um crescimento de 56% em pouco mais de uma década.
A primeira conclusão de impacto da leitura desses números é de uma saída acelerada do chamado bônus demográfico, caracterizado pelo aumento da renda per capta resultante do maior crescimento da população em idade economicamente ativa em relação aos grupos etários considerados economicamente “dependentes”, como crianças e idosos. Em geral, o bônus demográfico traz ganhos enormes para os mais diferentes países, na medida em que fortalece o mercado de trabalho, aumenta a renda e o consumo e viabiliza o financiamento dos sistemas de Previdência Social.
O Brasil se beneficiou desses efeitos nas últimas décadas e vivenciou práticas mais abrangentes de saúde pública, incluindo vastos programas de vacinação, além da educação e de outras áreas sociais, colhendo expressiva melhora na expectativa de vida em geral. Agora, como a forte mudança do perfil da população sinaliza uma saída do bônus demográfico, todos esses efeitos tendem a se expressar no sentido contrário, exigindo, entre outros desafios, mais esforços dos serviços de saúde e enormes esforços no que diz respeito ao financiamento da Previdência Social.
Serão novos desafios colocados para os setores público e privado. No setor público, o fato do Brasil ter construído um Sistema Único de Saúde e uma rede de proteção social robusta, além de um amplo sistema previdenciário, as questões parecem endereçadas, apesar do financiamento desses sistemas ser um desafio forte e crescente.
Mas é preciso um olhar sobre o setor privado diante dessas novas questões mostradas pelo Censo do IBGE: como lidar com o novo perfil etário de nossa população no mercado de trabalho, no comércio, nos serviços? Afinal, a preocupação frente a uma população em franco processo de envelhecimento não pode se limitar ao setor público. E aqui há duas áreas que o planejamento estratégico das empresas deveria observar: a presença de pessoas de idades mais avançadas no mercado de trabalho e o enorme crescimento de um mercado de consumo com grandes particularidades, composto pelas pessoas com 60 anos ou mais.
Algumas empresas têm reagido de forma muito positiva adotando o selo age-friendly, criado pelo Age-Friendly Institute, uma instituição norte-americana que acompanha a tendência do envelhecimento populacional no mundo e elabora políticas proativas neste campo. No Brasil, embora ainda de forma muito incipiente, empresas estão formatando e ajustando seu quadro de funcionários para que consigam absorver uma mão de obra acima de 50 anos que hoje tem enormes dificuldades em encontrar oportunidades de trabalho. Tais companhias buscam no selo uma validação de que reconhecem os trabalhadores 50+ como profissionais portadores de experiência, confiabilidade, conhecimento, produtividade e assiduidade.
Em geral essas experiências estão concentradas em empresas de grande porte e de presença mundial, que já implementaram tais mecanismos em outras regiões e observam impactos positivos que a diversidade pode trazer para o ambiente empresarial. É possível que esse comportamento se amplie no Brasil pois, apesar da maioria das empresas tender a buscar redução de custos na contratação de jovens, a diversidade etária tem mostrado efeitos bastante positivos em muitos países, pois a mão de obra 50+ tem se mostrado comprometida, responsável e sem qualquer medo de compartilhar experiências exitosas.
Se pensarmos nos departamentos de marketing das empresas, essa realidade se mostra ainda mais desafiadora. Geralmente são ambientes jovens e de baixa diversidade. A presença de funcionários com mais idade certamente ajustaria as mensagens de marketing também para uma população de consumidores com características muito particulares, com importante poder aquisitivo e maior aderência ao consumo de marcas, por exemplo.
Daí decorre o outro campo de preocupações que deveria ocupar nossas empresas: o mercado de consumo. A tendência de nosso mercado é voltada fortemente para os valores da juventude. Basta verificar os recentes milhares de mecanismos de acesso a produtos financeiros e as exigências de habilidades que isso requer, completamente antagônicas aos costumes da população idosa. A dificuldade de acompanhar tais avanços, seja pelo uso de aplicativos ou por sistemas biométricos de alguma complexidade, faz com que muitos dessa população se sintam completamente excluídos desses serviços, na medida em que cresceram “analógicos” num mundo que se torna progressivamente mais “digital”. O rápido processo de transferência dos sistemas de atendimento presencial pelos virtuais é outra face dessa mesma moeda. Muitas empresas estão completamente cegas para isso, na medida em que valores caros a parcelas mais idosas da população não se ajustam a seus “modernos” sistemas de planejamento.
Isso sem falar nos sistemas de seguro saúde, veículos ou no acesso a financiamentos. Claro que naturalmente esses serviços se tornam mais caros na medida em que a perspectiva de uso seja acentuada. Mas o fato é que o mercado afasta rudemente os idosos nesses serviços, transformando-os num fardo ou em indivíduos que tendem ao invisível.
Na concepção da Organização Mundial de Saúde, o etarismo ocorre quando a idade é usada de forma a causar injustiça, prejuízos e desvantagens, estremecendo a solidariedade entre as gerações. Será que não estamos assistindo um pouco disso em nosso país?
Enfim, tanto o setor público como o privado têm enormes desafios pela frente. Para além das questões dos direitos e do acesso a serviços. Para além das oportunidades no mercado de trabalho ou do grande valor dos idosos enquanto um mercado de consumo significativo e poderoso, tratar com seriedade e paciência essa questão do envelhecimento é atitude essencial para um país que preza a convivência harmoniosa, o respeito intergeracional e a valorização daqueles que construíram uma sociedade pacifica e que merecem um lugar de respeito em todos nossos ambientes sociais.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Yasser Hatia
Empresário, graduado em administração de empresas pela FGV e aluno no curso de mestrado profissional em gestão com foco em varejo pela FGV. Iniciou sua carreira no mercado financeiro atuando na área de fusões e aquisições. Atualmente exerce atividade profissional no segmento de varejo e serviço.
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