A vitória do líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), candidato apoiado pelo Governo Jair Bolsonaro, na eleição da Presidência da Câmara dos Deputados gera automáticos impactos na conjuntura política nacional e promete alterar, em médio prazo, a correlação de forças entre os grupos partidários e ideológicos que disputam a hegemonia política nacional – afinal bolsonaristas têm tratado o resultado como uma espécie de “nova fase” do governo, dois anos após a posse.
Obviamente, as eleições de 2022 estão incluídas no eixo desta equação e sofrerão influências do rumo que o Congresso e o país tomarão. Mas a nota principal do triunfo do deputado alagoano é que a condução do Brasil agora está oficialmente entregue à estratégia do achaque. E, nesse caso, essa situação se aprofundará a muito curto prazo, pois a fome do fisiologismo costuma ser insaciável, como mostram episódios recentes na história da política nacional.
Foi esse o mesmo modus operandi, o do achaque, o utilizado pelo bolsonarismo para consolidar a candidatura de Lira. Fala-se em pagamento de até R$ 20 bilhões em emendas extraordinárias, além da cessão de espaços e cargos políticos de toda ordem no governo. E é o mesmo com alto potencial de comprometer o sono da cúpula do Palácio do Planalto.
Com o poder nas mãos do Centrão, que está prestes a receber o Ministério da Cidadania de premiação pelos serviços prestados, que deve ser ocupado pelo Republicanos (antigo PRB, braço da Igreja Universal), a tendência é que os preços cobrados para as “entregas” que serão encomendadas comprometam o atual governo cada vez mais, para o desespero de um Paulo Guedes combalido no comando do Ministério da Economia.
De um lado, positivo para o governo Bolsonaro, será possível aprofundar ainda mais suas políticas de exceção, como as pautas ideológicas e ligadas ao militarismo que ajudam a galvanizar seus apoiadores, assim como até mesmo apostar em uma guinada populista que, a contragosto do mercado financeiro, rompa o Teto de Gastos, invista na retomada de obras e em programas de distribuição de renda e aumente a popularidade do presidente da República.
Do outro, contudo, a faca do Centrão no pescoço será sempre uma ameaça a ser driblada. A ponto de esse ser o assunto predominante no pós-eleição da Câmara, poucas horas depois, entre deputados que apostavam em quanto tempo o Centrão começaria a extorsão contra o governo.
Arthur Lira não é um amador e não deve se dobrar facilmente às “influências” do Planalto, como Bolsonaro verbalizou antes das eleições ocorrerem nas duas casas do Congresso Nacional.
Investigado e enrolado em acusações de corrupção, o que mostra por onde ele costuma circular, o parlamentar também representa um grupo que, não muito tempo atrás, inclusive durante o impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016, liderou a Câmara dos Deputados por meio de Eduardo Cunha, seu amigo pessoal.
Lira também já provou sua habilidade para o achaque e atos autoritários ao cassar o bloco de Baleia minutos depois de assumir a cadeira e ao incentivar a candidatura avulsa de Marília Arraes, gerando uma situação constrangedora para o PT administrar internamente.
Depois, promoveu uma “fritação” da deputada do PSL Bia Kicis, que havia sido indicada pelo partido bolsonaristas para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a mais importante da Casa. A simples divulgação da escolha de Kicis já era o suficiente para que seu nome fosse rejeitado por qualquer pessoa minimamente democrata, diante dos seus arroubos declaradamente simpáticos a regimes ditatoriais e intervenções militares.
Mas Arthur Lira foi além e cumpriu ele mesmo o papel de torrar o nome da colega parlamentar, descumprindo acordo com o PSL, defendendo um nome moderado e, mais ainda, trabalhando para reconduzir a deputada Margarete Coelho, do partido dele, o Progressistas (antigo PP), ao comando da CCJ.
Ou seja, as credenciais do novo comandante da Casa da Legislação do Brasil estão sobre a mesa. Até onde ele será capaz de ir só saberemos com o passar do tempo. O mesmo tempo que nos dirá até onde e qual o preço que o governo Bolsonaro aceitará pagar.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Yuri Silva
É Diretor de Políticas de Combate e Superação do Racismo, no Ministério da Igualdade Racial. Foi Coordenador de Direitos Humanos do IREE. Jornalista formado pelo Centro Universitário Jorge Amado, é coordenador nacional licenciado do Coletivo de Entidades Negras (CEN), editor-chefe do portal Mídia 4P – Carta Capital, e consultor na área de comunicação, política e eleições. Colaborou com veículos como o jornal Estadão, o site The Intercept Brasil, a revista Piauí e jornal A Tarde, de Salvador. Especializou-se na cobertura dos poderes Executivo e Legislativo e em pautas relacionadas à questão racial na sociedade de forma geral e na política. É Membro do Diretório Estadual do PSOL de São Paulo.
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