As pesquisas quantitativas, de variados institutos, vêm revelando o constante declínio da popularidade de Jair Bolsonaro nos mais diferentes estratos sociais. Contudo, não tínhamos ainda um estudo que capturasse os sentimentos e percepções do eleitorado “bolsonarista” de maneira aprofundada.
Diante disso, a pesquisa qualitativa “Bolsonarismo no Brasil”, realizada pelo IREE e pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (LEMEP) é pioneira ao tratar o assunto a partir de um amplo conjunto de grupos focais.
Durante o mês de maio de 2021, foram feitos 24 grupos, com aproximadamente 200 pessoas, em seis capitais do país. Segmentados a partir de variáveis como religião, idade e classe social as discussões trouxeram revelações que só o método qualitativo permite, já que o objetivo da metodologia é essencialmente promover o debate aprofundado entre os participantes, gerando insights sobre um determinado tema.
O relatório da pesquisa envolveu cinco eixos centrais, relacionados aos “valores” das pessoas que votaram em Jair Bolsonaro em 2018. São eles: família, segurança, militares, pandemia/ciência e corrupção. Os resultados apontam para o caráter fluido de uma “doutrina bolsonarista”, ou seja, não há um conjunto sólido de elementos conservadores que orientem esse eleitorado.
Chamou atenção que aspectos hipoteticamente considerados predominantes dentro desse grupo que votou em Bolsonaro, tal como o apoio a ditadura ou a flexibilização do porte e posse de armas, estejam longe de gerar consenso, mesmo no segmento de apoio mais fiel.
A pandemia da Covid-19 pode ser considerada um ponto de inflexão para o enfraquecimento do “bolsonarismo”. A pesquisa efetuou um corte via a manifestação prévia do sentimento de arrependimento do voto em 2018 e procurou entender quais as razões declaradas para esse nicho específico de entrevistados. Se para alguns participantes o arrependimento aconteceu pouquíssimos meses após a posse de Jair Bolsonaro em 2019, especialmente devido ao constante conflito e enfrentamento às demais instituições políticas, o que solidificou o irreversível abandono a Bolsonaro foi a postura de deboche deste diante da maior tragédia sanitária do século. A repetição da palavra “irresponsabilidade” foi marcante para definir a postura do presidente ao rejeitar as diversas ofertas de vacinas pela farmacêutica Pfizer e o estímulo ao tratamento precoce.
Identificamos que para os eleitores bolsonaristas moderados, ou seja, aqueles que ainda apoiam o presidente, mas elaboram críticas ao seu trabalho, a gestão da pandemia segue na liderança das críticas. Vale ressaltar que o nível de exigência dos entrevistados é bastante baixo, entendem que diante de um grave vírus como o que enfrentamos nem tudo é “culpa” do presidente, para eles bastaria que percebessem aspectos comportamentais de empatia do mandatário.
A opção em deixar o General Eduardo Pazuello por tanto tempo na liderança do Ministério da Saúde é alvo de descontentamento nesse segmento que ainda apoia o presidente, mas é crítico. Os argumentos revelaram que a ocupação de militares no alto escalão do Planalto é vista de modo ponderado, a depender da competência técnica do escolhido, o que não parecia ser, na visão deles, o caso de Pazuello.
Se dentre o eleitorado fiel a tolerância a Bolsonaro é irrestrita, o mesmo não pode ser dito sobre o segmento de apoio moderado. O constante tensionamento de Bolsonaro na política, em especial suas declarações raivosas em lives e entrevistas, prejudicariam, na opinião deles, a resolução dos problemas políticos e econômicos do país.
As pesquisas quantitativas mostram que o eleitorado fiel é atualmente um núcleo muito pequeno, sendo incapaz de levar Jair Bolsonaro ao 2º turno do pleito de 2022. A paciência e o apoio dos moderados são testados a cada dia com as ofensivas recentes contra o STF e o potencial levante armado no próximo 7 de setembro. Por isso, não é surpreendente que a intenção de votos no ex-presidente Lula siga crescendo.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Carolina de Paula
É doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ, Diretora Executiva do DataIESP e consultora da UNESCO. Coordenou o "Iesp nas Eleições", plataforma multimídia de acompanhamento das eleições de 2018. Foi coordenadora da área qualitativa em instituto de pesquisa de opinião e big data, atuando em diversas campanhas eleitorais e pesquisas de mercado. Escreve mensalmente para o IREE.
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