O artigo “Nações em concorrência” foi publicado originalmente na revista CartaCapital.
Os países não devem esquecer de que, sob o regime de produção capitalista, encontram-se em permanente concorrência. É esse o mantra do aumento exponencial da taxa de lucro do capital, que está por trás da ideia de crescimento econômico constante e ilimitado das nações. É o que correlaciona a vida dos agentes econômicos nos mercados e as contas públicas, o bom sucesso das empresas e o desenvolvimento dos países.
Uma nação precisa crescer mais e sempre porque é precisamente isso que poderá acontecer com as demais, que com ela concorrem pela apropriação de recursos e pela geração de riquezas, que serão distribuídos entre os seus cidadãos, com maior ou menor equidade.
O quadro geral de exportações, nos anos 1960 do século passado, exibia EUA, Reino Unido, Alemanha e França, nessa ordem, como os maiores exportadores de produtos e serviços do mundo. Ou seja, as suas empresas eram capazes de vender mais para os outros países do que deles comprar, de realizar trocas mais vantajosas, eventualmente vender produtos com maior valor agregado (com preço e demanda em alguma medida determinados pelos vendedores, em vista do seu poder de mercado) e, portanto, reter para si uma parte da expressão financeira dos esforços das empresas e dos trabalhadores dos outros países, que com eles entretiveram relações comerciais.
O sucesso das nações em concorrência depende certamente dos bons contratos que as suas empresas celebram, mas também da sua habilidade de organizar mercados, pavimentar vias para a criação e o exercício de empresas eficientes e financeiramente robustas, capazes de ofertar uma miríade de produtos e de serviços, sobretudo no contexto de alta tecnologia e de elevado valor agregado.
Isso não se faz, é claro, sem estabelecer regras que não atrapalhem o empreendedorismo e o gênio criativo dos homens de empresa. Mas também não se faz, sem que o seu poder econômico nos mercados seja contido, para que não extirpem a concorrência, capturem os governos e prevaleçam sobre todos os outros grupos de interesses de um país, com efeitos naturalmente deletérios para a capacidade desse país de competir com outros países.
Uma nação não terá meios de concorrer se não se esforçar para educar e capacitar o seu povo, canalizar adequadamente a sua energia vital e propiciar uma retribuição ao trabalho minimamente fundada na justiça distributiva.
É indispensável gerar riquezas e, por meio de um sistema que se encarregue da sua repartição, aplacar as pressões internas, reforçar e promover um senso de coletividade. Esses esforços de Estado estão no cerne do jogo das cadeiras que fez com que, já neste século, e alçada à condição de maior exportadora mundial de bens e serviços, a China ultrapassasse os EUA, a Alemanha e o Reino Unido.
Um predomínio que se estabeleceu para sacudir os paradigmas ocidentais de democracia e associá-los, em vista da sua tendência de multiplicar exponencialmente os centros de poder, à ineficiência do Estado: uma verdadeira crise da democracia, da qual ainda não nos restabelecemos. Uma crise contra a qual as potências econômicas do Ocidente reagem, no início, com guerra comercial, mas, em seguida e no longo prazo, com o acirramento da competição entre as nações e com tudo o que ela enseja.
Essa bruta concorrência, verdadeiro conflito de proporções planetárias, não dispensa, ainda que sob uma névoa conspiratória, sistemas nacionais de inteligência capazes de informar e, a bem da verdade, de sabotar.
É certo que, em todos esses países, campeões na capacidade de trocar menos por mais, de se apropriar de recursos dos outros e de prevalecer, os serviços de inteligência não atuam como nos filmes de espionagem, para evitar catástrofes globais, senão a serviço do capital e dos seus capitalistas.
É também essa a função dos exércitos e do poderio bélico, assim como da maior parte dos modernos conflitos entre nações, que se estabelecem num ambiente de balanço de poder geopolítico animado pelos interesses do dinheiro.
Aqui, entretanto, esse estado de coisas parece ser absolutamente irrelevante, por conveniência ou ignorância.
O Brasil desmantelou sua indústria, a pretexto de abrir e de modernizar a sua economia, destruiu suas maiores empresas, a pretexto de combater a corrupção, e massacrou os seus trabalhadores, em favor de uma elite incompetente e gananciosa, a pretexto de ajudar as empresas a crescer e a gerar empregos.
Assim, incapaz de concorrer, o nosso país se entregou à vassalagem despudorada, à política internacional da mendicância.
E, com a boca bem aberta, espera as migalhas que não virão.
Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.
Walfrido Warde
É advogado, escritor e presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE).
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