No dia 14 de março de 2019, completou-se um ano do assassinato de Marielle Franco, então vereadora na cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL, e do motorista Anderson Gomes, que a acompanhava. O crime bárbaro até hoje gera forte comoção na sociedade, principalmente pela morosidade para o esclarecimento do caso.
Apenas dois dias antes do primeiro aniversário do crime foram presos dois suspeitos de participação no assassinato. O policial militar reformado Ronnie Lessa teria sido o autor dos disparos, segundo as investigações, e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz dirigia o carro usado na fuga.
Falta esclarecer quem foram os mandantes e as motivações. As investigações apontam para o envolvimento dos suspeitos com milícias no Rio de Janeiro.
Ataque à liberdade
Para o Ministério Público do Rio de Janeiro, Marielle foi “sumariamente executada em razão da atuação política na defesa das causas que defendia”, e o crime foi caracterizado como um “golpe ao Estado Democrático de Direito”.
Simone Sibílio, promotora de Justiça, afirmou que o executor de Marielle repudiava a atuação política da vereadora em causas como a defesa de minorias, de mulheres negras e de pessoas LGBT.
A barbaridade cometida contra uma mulher negra, lésbica, com origem pobre e que militava pela garantia dos direitos humanos coloca em xeque as garantias à liberdade de expressão e à participação política no Brasil, essenciais à democracia.
Mesmo a visibilidade política conferida pela atuação na Câmara de Vereadores de uma das maiores cidades do País não garantiu proteção a Marielle.
No ano passado, o Brasil foi apontado como um dos países mais perigosos do mundo para a defesa dos direitos humanos. Por dois anos seguidos, liderou em mortes de ativistas ambientais.
Normalidade democrática?
Diante do trágico cenário, é cabível perguntar: Qual a normalidade democrática existente quando não há segurança necessária para a atividade política?
Notícias recentes mostram ativistas deixando o País depois de terem suas vidas ameaçadas. É o caso de Debora Diniz, Anderson França, Jean Wyllys e Márcia Tiburi. A situação abominável não tem tido uma resposta suficiente do Estado.
Debora Diniz, antropóloga idealizadora de uma ação no Supremo Tribunal Federal pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, foi obrigada a deixar o Brasil em dezembro de 2018 depois de ser incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do governo federal.
Diniz recebeu ameaças de morte, assim como outras pessoas próximas a ela, como seu marido, pais e alunos. Ameaçaram realizar um massacre na universidade em que dava aula caso ela continuasse por lá.
O escritor Anderson França, proeminente voz negra no Rio de Janeiro, também deixou o Brasil no fim do ano passado por falta de segurança. Um grupo criminoso organizado vasculhou seus dados e ofereceu prêmio por sua morte. A mãe de França também foi perseguida e ameaçada.
Depois de ser eleito pela terceira vez deputado federal pelo Rio de Janeiro, Jean Wyllys abriu mão do novo mandato e deixou o país em janeiro deste ano por conta da intensificação de ameaças que sofria.
Já Márcia Tiburi, que foi candidata pelo PT ao governo do Rio de Janeiro em 2018, é outra ameaçada de morte que se mudou. Ela declarou não confiar nas instituições brasileiras na proteção à sua vida.
Até mesmo a economista Monica de Bolle, que vive hoje nos Estados Unidos e não tem um perfil ligado à esquerda, relatou ameaças e disse que se morasse no Brasil teria medo diante dos ataques que tem recebido.
As milícias
Além do problema de cerceamento da atividade política que a morte de Marielle expõe, as investigações do assassinato jogam luz à atividade de milícias no Rio de Janeiro como agente do próprio Estado, o que representa um ataque gravíssimo às instituições.
As milícias surgiram como grupos de extermínio em meados da década de 1960 com o discurso, que sobrevive até os dias de hoje, de se contrapor ao tráfico. A atuação desses grupos se dá, no entanto, pelo controle violento de vários comércios, inclusive o de drogas.
Em entrevista à Agência Pública, o sociólogo José Cláudio Souza Alves, que estuda o fenômeno há 26 anos, explicou que a milícia atua como continuidade do Estado.
“O matador se elege, o miliciano se elege. Ele tem relações diretas com o Estado. Ele é o agente do Estado. Ele é o Estado. Então não me venha falar que existe uma ausência de Estado. É o Estado que determina quem vai operar o controle militarizado e a segurança daquela área. Porque são os próprios agentes do Estado. É um matador, é um miliciano que é deputado, que é vereador, é um miliciano que é Secretário de Meio Ambiente.”
Cadê o Estado?
Como elemento complicador, têm sido apontadas relações de pessoas ligadas às milícias com a família do presidente Jair Bolsonaro. Como o caso da mãe e da mulher de uma das lideranças do grupo miliciano Escritório do Crime que trabalharam no gabinete do senador Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.
O Estado Democrático de Direito não existe sem segurança para o exercício da política, fundamental para o desenvolvimento e a proposição de projetos. Não é aceitável que pessoas morram ou sejam expulsas por defenderem suas ideias.
É grave que diante desse cenário, o governo brasileiro não se mostre preocupado em assumir o papel que lhe compete na defesa da democracia.
Por Samantha Maia
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