Lula e o problema do personalismo político latino-americano – IREE

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Lula e o problema do personalismo político latino-americano

Maria Antonia De’Carli

Maria Antonia De’Carli
Correspondente do IREE em Londres



Como o ex-Presidente do Brasil não fugiu à regra do personalismo populista político que impera na América Latina?

Lula presidiu o Brasil por dois mandatos, entre os anos de 2003 e 2010. Quando entregou o cargo à sua sucessora política, Sra. Dilma Rousseff, ele gozava de uma aprovação média de 85% (pesquisa CNI – Ibope 2010) e seu governo tinha 80% de aprovação da população. Um sucesso que poucos conseguem atingir ao longo de suas trajetórias politicas.

É inegável que o ex-presidente fez história num Brasil extremamente pobre e que há muito tempo estava socialmente desacreditado pela comunidade internacional e pela sua própria população. Lula reduziu a desigualdade social do Brasil com eficientes programas sociais como o Bolsa Família (criado pela administração FHC sobre o nome de Fome Zero).

Esses programas atingiram grande número de famílias brasileiras, em sua maioria nas zonas mais pobres do país. Houve um largo progresso de desenvolvimento social, uma grossa parte da população saiu da pobreza extrema, o índice de Gini do Brasil caiu de 58,1 para 51,5 entre 2003 e 2011.

O índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo, aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos e mede a desigualdade destas sociedades, quanto mais perto de zero melhor.

Pela primeira vez as pessoas tinham o que comer. Surgiu então o fenômeno da ascensão da classe C brasileira. As pessoas estavam mais felizes. De acordo com o Banco Mundial, 66% dos jovens da nova classe C estudaram mais que seus pais.

O primeiro mandato de Lula soube balancear as políticas sociais com as de disciplina fiscal e estabilidade macroeconômica do governo anterior, uma combinação que permitiu superar as desconfianças de investidores e garantir sua reeleição.

Porém, o mesmo não aconteceu no seu segundo mandato, quando a economia brasileira começou a despencar por falta de um programa sustentável de desenvolvimento de longo prazo, o desenvolvimento econômico não pode se basear nas políticas de crediário, e nem no boom das exportações de commodities para a China.

A recessão chegava ao Brasil, fomentada pela exacerbada corrupção, e com ela o desemprego e o desastre fiscal.

Mas Lula soube manter seus fiéis seguidores “na linha” e o ex-presidente conseguiu eleger uma sucessora. Foi a partir dai que o PT começou a despencar.

A Dilma faltava o carisma clássico dos lideres populistas latino-americanos, que conseguem, através de um discurso extremamente comovente, criar vínculos emocionais com seus ouvintes, uma abordagem tangível na qual o político fala a mesma língua do seu povo, exalta suas características de salvador da pátria e assume uma retórica de divisão entre o “eles” e o “nós”.

Reconhece esse tipo de apelação politica? Pois, atualmente voltou à moda, e esteve na moda em toda América Latina nos anos 2000 (famosa década de ouro). Porém, dessa vez a moda populista atingiu o hemisfério Norte, incorporando Trump como o clássico populista.

A diferença principal entre líderes como Trump e, por exemplo, Chavez (versão populista LATAM ao seu máximo) é que o primeiro apresenta um populismo excludente – sim, o discurso de divisão “nós” e “eles” está na exclusão de um grupo da população norte-americana, os imigrantes; já o discurso de Chávez se apresenta como inclusivo, pois o “nós” é a população pobre que nunca foi considerada pelos políticos e que, ao votarem neste líder, estarão salvos e livres da elite corrupta.

Os motivos populistas latino-americanos parecem nobres ao leitor desavisado. Porém, o populismo corrói as estruturas democráticas e o equilíbrio eleitoral. Nesse sentido, é muito importante lembrar que um líder político governa para a população como um todo, sem discriminação de quem votou contra ou a favor dele.

Os políticos populistas se perdem nas suas próprias vaidades – que os cega e os faz achar que são imunes à Justiça e ao sistema que os elegeu.

A incorporação desse tipo de discurso está presente no artigo que Lula escreveu para o New York Times esta semana. O artigo reflete sua arrogância e falta de respeito pelas instituições democráticas brasileiras.

Exalta o discurso divisivo entre as esferas da política, fomenta uma conspiração apelativa para atrair mais simpatizantes e personifica o Judiciário em um nome: seu maior inimigo: Sérgio Moro. Talvez o romantismo do seu discurso ainda seduza seus fiéis seguidores e alguns gringos desavisados, porém, Lula jogou mal e se posicionou mal num momento que o país precisa de ex-presidentes que se comprometam em fortalecer a fragilizada democracia.

Com esse tipo de posicionamento divisivo, Lula arrisca perder o posto de querido das massas e corre o risco de entregar de mão beijadas as eleições para seu maior “conspirador da ultradireita”.

Lula foi responsável por um grande avanço social da população brasileira. Porém, seu real legado está manchado pelo maior esquema de corrupção já visto em um governo e pela sua aparente incapacidade de perceber que o poder deve ser cíclico e que muitas vezes é necessário saber a hora de se aposentar da esfera política e passar o bastão para novas gerações.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Maria Antonia De’Carli

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