Leniência combina com decência – IREE

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Leniência combina com decência

Walfrido Warde

Walfrido Warde
Presidente do IREE



Os pelos do gato se eriçaram, quando, logo no começo de 2015, as investigações da Lava-Jato estenderam tentáculos sobre os maiores e mais importantes operadores da infraestrutura no país.

A promiscuidade de relações mostrou-se tão intensa e disseminada quanto a dependência entre Estado e empresa. O Estado apequenou-se como zelador da lucratividade das empresas.

E as empresas, que já eram bastiões da infraestrutura nacional, revelaram-se também, como concluiriam as investigações, gestoras de nossa frágil e mal-ajambrada democracia (encarregadas da alocação de recursos estatais, oriundos do superfaturamento, por entre um sem número de candidatos a cargos eletivos, em troca de mais favores estatais).

Um esquema nada inspirador. Uma vergonha, na realidade. Mas era, ninguém pode negar, a condição de nossa caminhada claudicante, o motor retificado de nossa Política e, sobretudo, de nossa Economia.

Esse lamaçal, do qual todos nós de algum modo já desconfiávamos, somado ao despreparo das nossas leis de combate à corrupção, teve o mesmo impacto do fogo nas turbinas de um jato em pleno voo.

Tudo tinha e tem que mudar, mas não antes de aterrissar a nave e de salvar os passageiros.

Se nada for feito para evitar o impacto final, a nação não vai morrer entre os destroços, mas seus filhos e filhas padecerão de um sofrimento capaz de ameaçar as nossas instituições mais essenciais.

Uma solução lícita e moralmente aceitável é possível

Estou convicto de que apenas uma nova disciplina jurídica da leniência irá nos salvar.

A solução, temo dizer, porque vou ferir suscetibilidades, não está, entretanto, na MP 703, no PL 3636, tampouco nos dois substitutivos, ofertados nos últimos dias pelo Dep. André Moura e pelo Ministério da Transparência, respectivamente.

Todas essas iniciativas, que projetam modificações na Lei Anticorrupção, em especial no regramento da leniência, sofrem grande resistência porque afastam a participação material do Ministério Público, porque proveem benefícios considerados moralmente inaceitáveis às empresas envolvidas, ou ainda porque lhes impõem condições inatingíveis.

Os arquitetos da salvação precisam compreender que leniência não pode destoar de decência. Devem se ocupar da preservação dos principais projetos de infraestrutura, dos empregos, do conteúdo nacional, da abertura dos mercados, da promoção da eficiência e da transparência, sem prejuízo da ideal punição dos culpados, com efeitos dissuasórios e punitivos.

Leniência não é impunidade, nem incentivo à corrupção.

É preciso, além disso, captar dois detalhes de suma importância. Em primeiro lugar, que o Ministério Público tem competência constitucional para propor ação penal contra as pessoas físicas e ação de improbidade contra as pessoas físicas e jurídicas envolvidas em corrupção.

E em segundo lugar, que é do Ministério da Transparência a competência para celebrar os acordos de leniência.

Não será possível, portanto, fazer acordos de leniência sem o Ministério Público, a não ser que a indenização e a multa devidos ao erário sejam pagos integralmente. De mesmo modo, os acordos que o Ministério Público tem celebrado não são acordos de leniência, com o que as empresas que se engajarem nesses pactos ainda poderão ser declaradas ímprobas e ser proibidas administrativamente de contratar com o Estado.

Ministério Público e Ministério da Transparência precisam se entender, à luz do dia e sob amplo debate público, para o bem do Brasil. Outros órgãos da administração, a exemplo da AGU, do TCU e do CADE, também devem participar do colóquio em busca da superação do que parece ser um distúrbio estatal de múltiplas personalidades.

De resto, vale lembrar que violência gera violência.

O mercado de ativos de infraestrutura ressurgirá naturalmente com a celebração dos acordos de leniência, afastados os riscos de sucessão de responsabilidade dos adquirentes.

Soluções como a relicitação e a expropriação de controle societário, para além de afugentar investidores estrangeiros (inteligentes o suficiente para aprender com o martírio de seus pares brasileiros e se projetar nessa situação), serão seguidas de intermináveis disputas judiciais por contratos, por concessões e por ativos em geral.

Nesse meio tempo tudo obsolescerá, sobretudo a nossa perecível Economia.



Os artigos de autoria dos colunistas não representam necessariamente a opinião do IREE.

Walfrido Warde

É advogado, escritor e presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE).

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