Por Samantha Maia
José Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal (2005 -2011), concedeu uma entrevista para a IREETV sobre a atual conjuntura política e econômica da Europa e seus paralelos com o Brasil. Dentre os assuntos abordados estão o Brexit, o avanço da extrema-direita, a política de austeridade, o êxito de Portugal na resposta à crise econômica e a imagem do Brasil no mundo.
Confira abaixo os destaques da entrevista e clique aqui para assistir o vídeo na íntegra.
As eleições no Reino Unido e o Brexit
Para José Sócrates, o resultado das eleições parlamentares no Reino Unido definiu a saída do país da União Europeia.
“O que houve no Reino Unido foi a vitória de uma direita democrática. Mas o resultado da eleição é definitivo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. E isso é uma desgraça para a Europa. É preciso respeitar o sentimento e a decisão dos povos, e a ideia de que eles cometeram um erro e vão pagar por esse erro é um discurso absolutamente arrogante. Melhor seria que a União Europeia pudesse estudar as razões que levaram os ingleses a abandonar o projeto europeu.”
O impacto da crise econômica de 2008 na Europa
O ex-primeiro-ministro português destaca a relação entre a reação da União Europeia à crise econômica da 2008 e a ascensão da extrema-direita na região.
“A Grande Recessão teve as mesmas consequências de todas as crises: um certo abalo nos fundamentos democráticos e a subida da extrema-direita. E essa subida da extrema-direita na Europa deve-se fundamentalmente ao fato de a União Europeia ter encarado a crise econômica de uma forma errada economicamente, o que causou maiores problemas sociais e políticos.
A Europa não teve uma política econômica. Teve uma política moral, uma política ideológica, uma política que visava impor, naquele momento, uns preconceitos da direita europeia, que se revelaram catastróficos.”
O Quantitative easing versus a política de austeridade
José Sócrates fala sobre a diferença entre a resposta dada pelos Estados Unidos à crise econômica de 2008, por meio de uma expansão monetária (Quantitative easing), e a resposta dada pela Europa, com a política de austeridade.
Segundo ele, o fracasso da resposta europeia teve como consequência a divisão política da região, a desagregação do projeto europeu e a emergência da extrema direita.
“Entre 2008 e 2015, a União Europeia adotou a política da austeridade porque achou que combatia a crise fazendo julgamentos morais sobre os Estados. Achou que a crise era consequência e responsabilidade dos Estados gastadores. Mas a austeridade trouxe mais dívida, mais desemprego e menor crescimento econômico.
Até que em 2015, e contra a Alemanha, o Banco Central Europeu faz o mesmo que fizeram os Estados Unidos, sete anos antes, e adotou o Quantitative easing. Os programas de austeridade não visavam resolver o problema econômico, visavam um ajuste de contas com a esquerda.
Lá como cá o discurso era o mesmo, as reformas estruturais. E quando ouvirem falar de reformas estruturais, vocês compreendem que são as reformas da direita. São menor proteção de trabalho e menor distribuição nas prestações sociais.”
O crescimento da extrema-direita
José Sócrates destaca que a extrema-direita sempre existiu, mas hoje ela tem espaço institucional. Para o político português, esse espaço foi conquistado graças a concessões da direita, tanto na Europa, como no Brasil.
No caso da Europa, ele cita o recente anúncio de uma pasta na Comissão Europeia chamada “Protegendo nosso modo de vida europeu” como exemplo de ações da direita que dão legitimidade à extrema-direita.
“O problema de lidar com a extrema-direita é que há partidos que não resistem a fazer algumas concessões à extrema-direita, e isso é fatal. Há partidos de direita cúmplices da subida da extrema-direita, na Europa e também no Brasil. Quem deu o golpe de Estado [no Brasil]? Foi a direita clássica, a direita dita democrática. Essa direita permitiu a ascensão da extrema-direita e desapareceu. O que aconteceu foi um suicídio da direita clássica, um suicídio, deram um tiro na cabeça pensando que estavam a dar um tiro no inimigo.”
A política econômica brasileira e a experiência europeia
Para José Sócrates, o Brasil hoje pratica uma política ideológica disfarçada de racionalidade econômica. E cita como exemplo a forma de lidar com a crise da Previdência Social, com uma reforma que mira a redução do benefício, em vez de atacar o problema do desemprego.
“Não há nenhum sistema de Previdência que resista a 13% de desempregados. Assim ela estará sempre quebrada. Talvez fosse mais inteligente que alguém pudesse dizer ‘sim, então vamos começar a resolver e a fazer uma reforma da Previdência começando por dar trabalho aos brasileiros’.
O que acontece no Brasil, na verdade, trata-se de contrarreformas. Agir contra todo o século XX. Nós vamos desmontar o Estado de Bem Estar Social que de certa forma se expandiu em todo o mundo. Isso não é uma agenda econômica, isto é uma agenda ideológica. A consequência disso será apenas uma, vai aumentar ainda mais a desigualdade profundíssima que existe no Brasil.”
O êxito de Portugal na resposta à crise
Segundo o ex-primeiro-ministro português, o governo de Portugal teve êxito na economia justamente por acabar com a receita da austeridade.
“E no momento em que acabou a austeridade, as coisas começaram a melhorar. E acho que o governo português devia assumir isso de forma radical, que esta austeridade foi um erro para toda a Europa e podíamos não tê-la feito, podíamos ter feito exatamente igual fizeram os Estados Unidos e com isso teríamos melhorado a vida de muita gente na Europa, muitos países não teriam passado aquilo que nós passamos em Portugal.”
A imagem do Brasil no mundo
José Sócrates chama atenção para a degradação da imagem do Brasil no mundo e alerta que o posicionamento do governo atual na área ambiental poderá prejudicar muito o país, além de poder representar um revés no fechamento do acordo entre Mercosul e União Europeia.
“O Brasil já foi um novo ator internacional, que estava no centro de uma política externa de afirmação que era necessária. E grande parte dessa afirmação brasileira no mundo também tinha a ver com a questão ambiental e com a questão amazônica. A Amazônia era um fator de promoção do Brasil no mundo. Agora é exatamente o contrário.
Hoje as questões das alterações climáticas são questões de segurança. Ninguém admitirá no mundo irresponsabilidades no domínio ambiental.
No fundo o Brasil deu aos adversários desse acordo na União Europeia o argumento que eles precisavam, o argumento ambiental. E vão utilizá-lo contra o acordo.”
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