J. R. Afonso: Alíquota única torna mais injusto o sistema tributário – IREE

Entrevistas

J. R. Afonso: Alíquota única torna mais injusto o sistema tributário

Por Samantha Maia

A reforma do sistema tributário promete ser foco das atenções do Congresso Nacional nos próximos meses, uma pauta complexa que merece ampla discussão.

Para compreender melhor esse tema, o IREE entrevistou o economista José Roberto Afonso, professor do programa de mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), que tem dedicado sua carreira aos estudos sobre renda e tributação.

Confira também: Entenda a PEC da Reforma Tributária que avança na Câmara

Afonso defende um sistema tributário mais qualificado, já que a existência de uma estrutura que demanda gastos públicos elevados dificulta a redução da carga tributária.

“Se não se pode cobrar menos impostos, espera-se que ao menos se cobre melhor”, afirma ele.

Melhorar a qualidade do sistema tributário, segundo o economista, significa redistribuir a carga, sem aumentar a total. Isso seria possível com uma redução dos impostos sobre consumo e uma tributação maior sobre renda e patrimônio, explica Afonso. 

Alguns números ajudam a entender essa questão. No Brasil, a participação da tributação sobre a renda é de 21%, menor que na média dos países da OCDE (34%) e que em países como os Estados Unidos (49%) e Noruega (39%). Já sobre o consumo, a participação é 49,7% no Brasil, contra 32% na média da OCDE.

A simplificação do sistema com a adoção de uma alíquota única, como o IVA proposto em projeto em tramitação na Câmara dos Deputados, não ataca o problema. Afonso alerta que pode, inclusive, agravá-lo.

Na era digital, não é alíquota que dificulta a vida dos empresários, e se poderia taxar mais bens supérfluos e mais consumidos por mais ricos.”

Confira a seguir a entrevista completa

O senhor avalia a carga tributária brasileira como elevada?

José Roberto Afonso: ​A carga tributária brasileira, acima de 33% do PIB, está muito acima da média das economias emergentes, uns 7 pontos percentuais de diferença, e se aproxima da média das economias avançadas. 

É subjetivo avaliar se essa carga é muito ou pouca porque é preciso considerar outras variáveis que não apenas a receita. Opinar depende também dos serviços públicos prestados e do padrão de financiamento do governo.

Como o Brasil optou politicamente por ter um volume de gasto elevado, com muito peso de Previdência e custeio, e quase nenhum investimento público, é condizente que precise ter uma carga tributária muito alta e baseada em contribuições salariais. 

​O senhor já defendeu que o problema não é diminuir a carga tributária, e sim melhorar a sua qualidade. O que isso significa?

José Roberto Afonso: ​Como os governos brasileiros ostentam déficit há anos, mesmo com uma carga tributária recorde, só é possível reduzir a carga se antes se diminuir o gasto público. 

Ao menos a reforma tributária poderia melhorar sua qualidade, porque o atual sistema, por exemplo, é apontado em ranking com mais de cem países como o que mais pune investimentos e emprego e o que consome mais esforços para se pagar impostos. 

Enfim, se não se pode cobra menos impostos, se espera que ao menos se cobre melhor. 

​Muito se fala sobre o sistema tributário brasileiro ser “regressivo”. Poderia explicar esse conceito e quais as suas consequências para o país?

José Roberto Afonso: ​Regressivo é o sistema que cobra proporcionalmente à renda familiar mais impostos dos mais pobres do que dos mais ricos. 

Como o sistema tributário brasileiro sobrecarrega em impostos sobre consumo, inclusive cobrando de forma escondida e um sobre outro imposto, ele acaba punindo quem ganha menos porque necessariamente gasta mais com consumo. 

A consequência é ter um sistema injusto, ao contrário dos países mais ricos, que arrecadam mais com impostos sobre renda e sobre propriedade, que, por princípio, alcançam mais os ricos do que os pobres. 

O Brasil precisa onerar mais a renda e o patrimônio? 

José Roberto Afonso: ​Um sistema mais justo e progressivo tributa mais renda e patrimônio, como já dito. Melhorar a qualidade do sistema seria redistribuir a carga, sem aumentar a total.

O ideal seria explorar mais essas bases e reduzir o imposto sobre consumo – ou até o tornar menos regressivo.

Aplicar uma alíquota única de imposto indireto, por exemplo, simplifica o sistema mas o torna mais regressivo. Na era digital, não é alíquota que dificulta a vida dos empresários, e se poderia taxar mais bens supérfluos e mais consumidos por mais ricos.

​Hoje o Congresso estuda uma Reforma Tributária que cria um imposto agregado e promete simplificar o sistema e dar maior transparência à arrecadação. Qual a sua opinião sobre essa proposta?

José Roberto Afonso: A reforma tributária está sendo discutida todos os dias nos jornais, está com espaço crescente no Congresso. É um bom começo. 

Existem várias propostas em tramitação no Congresso ou apresentadas ao debate público. Por certo, é muito bom ampliar a discussão técnica, para subsidiar as autoridades econômicas e parlamentares.

Mas é preciso tomar cuidado que nunca se fez uma reforma tributária por plebiscito. Uma consertação política será necessária.

Estudo recente realizado pelo senhor mostrou um aumento da carga tributária em relação ao PIB de 2016 para cá. A que se deve esse aumento? 

José Roberto Afonso: ​Várias fontes mostram que a carga tributária vinha decrescendo há cerca de uma década. O resultado de 2017 é que fugiu dessa tendência.

Fatores pontuais, sobretudo no caso da recuperação da oneração de combustíveis, contribuíram para uma alta de arrecadação que não sei se vai se sustentar.

A nova economia e sociedade que emergem da revolução digital é claramente anti-impostos (que o digam, por exemplo, como o comércio eletrônico está acabando com as livrarias físicas). Isso é um enorme desafio para o Brasil e para todo o mundo.

Veja mais: IREE realiza em São Paulo primeiro debate sobre reforma tributária



Leia também